segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Vamos para Oz.

Confesso que, muitas vezes, o discurso do poder me cansa. A maioria das vezes, aliás. Há pessoas que se deixam seduzir por cargos, por pequenos poderes. E discursam a favor do outro, quando, lá no fundo, o que desejam mesmo é apenas e meramente o seu próprio favor. Há pessoas que usam, que abusam da paciência de quem tem alguns neurônios.
Confesso que me cansa, em demasia, aquela pessoa que fala algo, mas seu coração atua em outra dimensão. Por vezes, tal tipo de gente me incomoda; outras, me enoja. Mas, enfim, parece que é só assim que sabem ser.
Confesso que quero distância delas. Prefiro Oz, a Terra do Nunca, o País das Maravilhas. Lá tenho o mundo que quero, lá posso ser feliz.

Nada de queixas

Não posso me queixar de 2015. Não. Há muita gente propagandeando crise aqui, crise acolá. E, de fato, seus ares ventaram sobre o mercado editorial, sobretudo com a suspensão pelo Governo Federal de aquisições de livros pelo PNBE. Isso mexeu com as editoras. Muitas delas (a maioria) suspenderam edições, ou as adiaram. Outras devolveram originais, demitiram pessoal, apregoaram o fechamento. O fato é que muitas editoras também surgiram (apenas por isso e para isso) na esfera do PNBE: não se preocuparam em fomentar o mercado editorial e livreiro. Assim, se um livro era selecionado pelo Governo, a razão do investimento parecia já ter se cumprido. Preocupação com leitores? Pouca ou nenhuma.
Mas se não me queixo, embora o mercado tenha apertado o cinto, é porque foi um ano bacana: fui finalista com "Apenas Tiago" (Positivo) de dois importantes prêmios: Jabuti e Açorianos; tive texto traduzido, venci o Açorianos de Criação Literária, tive meus livros "Bia e Nando, tem gente nova na escola" (Lê), "Bichos daqui, de lá e de além" (Edelbra) e "Contos Populares do Sul" (Scipione) publicados. 
E se não me queixo foi também por visitar muitas escolas e feiras, foi por participar de vários projetos de leitura (muitos com bastante qualidade). 
2015 foi ano proveitoso: em premiação, em construção de mais leitores, em trocas de leitura, em livros novos à disposição de olhares desejosos.
Balanço feito, balanço positivo. Resta seguir semeando, com vagar e sempre.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Fábulas: A Serpente e o Sapo

A Serpente e o Sapo

A Serpente andava descontente. Outrora, ela podia rastejar pela floresta tranquilamente, gozando de todas as benesses que aqueles que comungam do poder possuem. A Serpente era amiga do rei.
Todavia, após disputa acirrada com o Leão - o sempre eterno rei, que perdeu o posto,  pois o povo andava descontente de apenas os bichos mais fortes e poderosos terem regalias e direitos - o Sapo assumiu o trono. E nem bem pegou o cetro, decidiu que direitos deveriam ser divididos, assim como deveres. É claro que alguns bichos grandes concordaram, viram naquela postura uma forma de construírem novas relações na floresta. Agora, todos poderiam ter possibilidades semelhantes para desfrutarem de direitos semelhantes, como, por exemplo, beber a água límpida na fonte do rio e não apenas a poluída.
Mas a Serpente, ah, a Serpente, andava descontente. Uniu-se, então, a outras tantas serpentes, escavarelhos, escorpiões e aranhas. Não era justo dividir o que sempre fora deles. E, munidos de gritos de ódio, invadiram os caminhos da floresta. Urravam, berravam, zombavam do Sapo e de todos os outros que o apoiavam. Queriam o fim daquela forma de governar. Porém, ardilosamente, diziam defender a liberdade de todos. Diziam que o Sapo impedia a ordem outrora tão tranquila, melhor que abandonasse o poder, que o Leão voltasse a reinar.
E alguns bichos tolos começaram a seguir os manifestantes. Todos esquecidos daquele tempo em que o Leão governava. Alguns inclusive, em meio à balbúrdia, nem percebiam que gritavam contra direitos que outrora nunca haviam tido.
Moral da História: O passado jamais pode ser esquecido.


Moral da História II: Quem segue serpentes corre o risco de morrer envenenado.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Um poema para o Napp

Inverno

Para Sergio Napp

A cama é gigante
para o corpo tão franzino,
pequeno, quase menino.

E ele, o homem, eu sei,
se deseja pássaro alado,
só asas e vento, desgarrado.

Mas.

Os olhos se fazem cinza,
a palavra, na garganta rascante,
engasga, reluta, não é mais amante.

O corpo, de fios todo feito,
nos brancos lençóis espera,
tudo agora desejos de primavera.


sexta-feira, 6 de março de 2015

Fábulas: Os gatos e os cães

Os gatos e os cães

Eis que os gatos e os cães resolveram eleger um líder comum. O gato e o cão chefes fizeram suas propostas, defenderam posições, discutiram ideias, bateram boca. Miaram e latiram muito. A cada miada, gatos e cães, partidários dos gatos, bradavam alucinados. A cada latida, cachorros, cadelas e gatos que julgavam as propostas dos cães mais interessantes uivavam e batiam palmas.
No dia da eleição, por uma diferença bem pequena de votos, o cão chefe foi eleito líder dos cães e dos gatos. Para quê? O gato chefe pediu recontagem dos votos. Perdeu de novo. Então, ficou cheio de mimimi, dizendo que o cão isso, que o cão aquilo. No final, pedia: “Este cão não pode ser nosso líder. Ele é um cão!” Convocou os gatos e os cães, descontentes com a eleição, para que saíssem às ruas, para que exigissem a saída do cão, eleito democraticamente, do poder. Atrás dele, ouvia-se o eco de alguns latidos e outros tantos miados.


Moral da história: A democracia, para certos gatos, só interessa quando atende seus desejos.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Igrejas portenhas

Que eu gosto de igrejas, todo mundo sabe. Nas andanças por Buenos Aires, encontrei algumas. Há nelas um pouco da cidade. Creio que as igrejas são mesmo testemunhos.


Capela de São Roque


Catedral Metropolitana

 Igreja de São Francisco

 Igreja do Santíssimo Rosário


Igreja N.Sra. Pilar

Altar Principal da Igreja N.Sra. Del Pilar

Primeiro dia de aula

Quando eu tinha seis anos (eu era um guri bem miúdo), fui levado pela mão, por uma de minhas irmãs, para a escola. Era março de 19..... e eu já sabia ler. A escola ficava na rua da minha casa, bem perto, mas tenho na memória o tanto de lonjuras que havia entre aqueles dois portões: o da minha casa, o da minha escola. Do dia em si, da primeira professora, do que ela falou, do que ela ensinou, de meus primeiros colegas, há um vazio de lembranças. Ah, mas da roupa que eu estava (calção azul, camisa amarela, que minha mãe havia comprado para uma festa familiar) e da minha mão firme agarrada à da minha irmã, disso eu lembro. Memória sempre viva em mim. Eu esperava tanto daquelas aulas, daquele mundo no qual me iniciava.
Porém, infelizmente, não foi a escola quem me construiu. Ela, hoje sei, colaborou pouco com quem sou. A biblioteca sim. Os livros mais ainda. Neles, descobri que a vida é mais, bem mais. 

Descobri que páginas abertas, letras decifradas são capazes de abrir olhos e de cultivar o coração.
Hoje, os livros fazem parte de mim. 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O guri Urbim

O riso fácil, solto; as palavras sinceras; o tom de voz forte e ao mesmo tempo doce; o jeito de guri sempre vivo; o brilho da infância estampado nos olhos, este era o peralta Urbim, um guri de muitos anos; um guri que aprendeu que a meninice não tem idade, não tem tempo, não tem hora. O guri que, agora, deve estar entre os anjos, empinando pandorgas, jogando bolinhas de gude, colando figurinhas no álbum da existência.


Urbim era um guardador de memória, era um ressuscitador de brincadeira de seu tempo. Através de suas histórias, de seus poemas, ia trazendo ao presente um tempo que já não era mais nosso, mas que voltava a ser nosso através de seu olhar nostálgico: os cadernos de temas, os álbuns de cromos, os carrinhos de madeira, as cinco marias, o peão, o bambolê... E o mundo rodava, rodava, rodava sua ciranda de alegrias.

Urbim foi gente boa. Gente daquelas de encher a sala com seu riso. Gente de quem a gente gostava de estar por perto. Gente que se imortalizou criança. Vê-lo a narrar suas histórias, fazendo uso dos personagens que ele mesmo forjava em pedra, em porongos, em pedaços de madeira, era permitir-se mergulho na infância. Urbim, nestes momentos, se tornava guia pelas estradas da imaginação. E se a gente era criança, aceitávamos a mão que se estendia, acolhíamos o abraço da fantasia. E se a gente era adulto, aceitávamos o convite para voltarmos a um tempo tão nosso e tão esquecido, aceitávamos a magia infantil com que ele nos presenteava.

E, na sexta última, sei lá por que, o Urbim resolveu contar suas histórias, dar seu riso, criar seus personagens em outra dimensão. A nós, que por enquanto aqui ficamos, resta o carinho presente em seus livros. Estes estarão por aqui para sempre. Ou, pelo menos, até enquanto houver alguém com coração infante que abra as suas páginas.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Sobre livros, sebos e autógrafos

Eu prefiro a Serra ao Mar. Talvez seja estranho, mas sei que não estou só, tantas eram as pessoas passeando por Gramado e Canela neste final de semana. E na volta, a visita à Livraria Miragem, em São Francisco de Paula, trouxe algumas boas surpresas. A primeira, claro, é perceber a pujança de uma livraria como esta. Espaço nunca antes visto por estas terras. Vale a visita, com certeza. Diferentes ambientes, livros e livros, além de um outro tantos de coisa bonita pra se ver. E a segunda foi descobrir no sebo (há um sebo no andar superior da livraria!) um livro do poeta Paulo Hecker Filho. O primeiro editado pela Edições Fronteira. Isto em 1950. E o livro veio com o autógrafo, dado no mesmo ano, para uma certa Norma. Aliás, havia vários livros autografados para esta mulher. E eu e Laine já imaginando alguma história para ela. Ou várias.
Na verdade, fiquei pensando sobre quem teria se desfeito dos livros da Norma, para quem eles (e ela também, visto que sua marca, seu nome, estavam presentes naquelas páginas) não tinham a menor importância? Estranho este sentimento de pertença com os livros. Sobretudo os autografados. E Norma, possivelmente, não vive mais; assim como o poeta. E o livro, umas raridade: a primeira edição de uma editora que não sobreviveu sabe-se lá por quais motivos. Provavelmente, as questões financeiras já adiantadas na orelha (abaixo transcrita). Alguém se desfaz de um livro, de um livro autografado, de um livro que uniu no passado e, talvez, para sempre, Norma e Paulo. Um livro destes deveria ser herança da qual jamais os herdeiros se desfazem: os poemas sempre a dar conta de quem os escreveu, de quem os leu, de quem passou por estas páginas agora amareladas seus dedos, como carinho, e suspirou e se inquietou e se desacomodou ou se enterneceu com a lírica nele presente.

Um livro é para sempre. E este, que foi de Norma, hoje é meu. E eu me sinto próximo desta mulher que não conheci, e deste poeta que nunca eu tinha lido antes, mas do qual sempre havia ouvido palavras que atiçavam o desejo do desvendamento. O poema que abre o livro:

RIMBAUD

Pelas calçadas em luz baça
os ratos tomam vinho
no cuspe alcoólico dos bêbados

Leio Rimbaud.
                         10-4-49


Ah, e vejam só o que diz na orelha do livro "Ah! Terra", de Paulo Hecker Filho. Lembrando: a edição é de 1950.
"É êste o primeiro livro lançado por FRONTEIRA, revista da nova geração literária do Rio Grande - primeiro marco de um programa editorial que vai permitir o aparecimento de várias obras de escritores e poetas nossos, no momento a se estiolarem pelo silêncio a que os obriga a falta quase absoluta de publicações literárias entre nós e o comercialismo prudente dos editôres. Iremos realizando, na medida da possibilidade econômica, a publicação dos originais escolhidos (...)¨ 

E aí segue citando os próximos autores. Entre eles, Mario Quintana, Guilhermino César e Augusto Meyer. Ou seja: autores, desde sempre, penam para terem seus textos publicados. A luta inglória vem de longe, bem longe.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Reflexões breves 2 - Sobre finais

Todo o final pressupõe um recomeçar. Sempre há uma porta a ser aberta, uma estrada pela qual seguir, uma sombra a propiciar descanso, uma luz lá adiante a indicar rumos. Em épocas de encerramento, como esta de fim de um ciclo anual, o desejo de balanço das ações passadas sempre surge, urge, ruge. Bom, quando se pode olhar para o pretérito e prospectar nele futuros. O tempo é, pois, para futurar. Tempo para, em cima dos acertos e dos equívocos dos 365 que findam, orquestrar um novo início. Que o novo ano traga potencializado o tudo de bom do que se vai e que a capacidade de sonhar jamais seja apagada dos corações inocentes. Apesar de todos os pesares que possam acenar no horizonte. Apesar. Sigamos em frente, sempre em frente, sabendo colher da jornada aquilo que foi (ou será) fruto. E madureza.

Reflexões breves 1 - Sobre amizade


Amigos - os leais, os sinceros - são dádivas. Seus elogios não são enganadores; suas palavras não são bajuladoras; sua presença não é só estar perto. Um amigo sabe-se parte, entende-se parceria, quer-se proximidade. Um amigo, creio, é família escolhida: laços bem mais fortes do que os biológicos. Amigo é terra sempre fértil, mesmo em momento de seca ou de pragas.
Bendito o que semeia amizade, pois colherá fruto semelhante ao plantado.