domingo, 28 de julho de 2019

Sobre timidez.

          Sempre fui tímido. Desde criança. 
          Lembro que na escola para mim sempre foi uma espécie de tortura ter que ler algum texto em voz alta, ter que ir à frente da classe apresentar algum trabalho, ter que ler respostas de alguma tarefa extraclasse. Tudo isso sempre foi muito sofrido, sofrido demais. 
Quando adolescente, eu até respirava fundo e, atormentado pela timidez mas apoiado pelos colegas que se posicionavam ao meu lado (ter alguém por perto sempre nos fortalece, sobretudo se este alguém passa por algo semelhante ao que estamos passando. Jovens são assim: têm essa capacidade de tornar forte o fraco), ia à luta, executava a tarefa. Todavia, se eu pudesse me escapar dela, me escapava. É estranho olhar para esse guri que fui e tentar descobrir que medos me impediam de ir à frente, já que eu dominava o conteúdo, já que - na maioria das vezes - tinha feito quase sozinho o trabalho? 
           Adolescer é território de medos, também.
          E muitas vezes o universo que habitamos (o colégio, a casa, os problemas familiares: tantos, muitos) nos impede de encarar de frente estes medos. Assim, vamos lidando de forma amadora com eles. E isso não é bom: atordoa, inibe, segura nossos desejos, nossas capacidades. É certo que podemos ser mais felizes se tivermos a coragem de dar o primeiro passo em direção àquilo que nos amedronta.
          Timidez ou medo. Medo ou timidez. Os dois, talvez. 
          Hoje, quando olho para o Caio que fui, percebo o tanto de tristeza estampada nas poucas fotos daquela época, percebo a tristeza também cercando as minhas lembranças de um tempo que existe apenas para nos trazer surpresas.
          Até publiquei, há um tempo atrás, a história do Alexandre, um guri que se encontra no leito de um hospital aguardando a manhã em que fará um transplante de medula. Alexandre tem leucemia. E tem amigos, dois parceiros bem legais, que o enchem de afeto. Alexandre é adolescente. Ele sabe que a adolescência é um Tempo de Surpresas. E elas nem sempre são boas. 


O tempo das surpresas, SM Edições.


terça-feira, 23 de julho de 2019

O livro e o lápis

         Quando leio um livro (no momento ando tomado pela dor da "Carta à Rainha Louca", de Maria Valéria Rezende), não resisto à tentação de fazer comentários à margem ou de destacar, com sublinhados, trechos que me chamem a atenção, quer pelo conteúdo, quer pelas construções estéticas, quer por mexer com alguma coisa em mim. Deixo minhas marcas naquilo que leio; não vejo as páginas de um livro, como fazem alguns, como um templo no qual entramos em silêncio, evitando máculas, marcas. 
           O livro, para mim, pede que eu descubra nele surpresas, achados. Ao retornar a um livro, quer para relê-lo ou apenas para relembrá-lo (os olhos percorrendo as páginas ao acaso; a mão quase carinho). Gosto de encontrar minhas cicatrizes, as páginas todas tatuadas de mim.
           Uso lápis, o risco sempre podendo desaparecer caso a um possível outro dono desagradem. Eu não, eu gosto de perceber as anotações de outros nos livros que encontro escondidos em prateleiras de sebos: servem como bússolas, como indícios de rumos a tomar. Ou não. Placas indicativas nem sempre servem de guia. A desobediência pode ser caminho para novas descobertas.