Mordidas delicadas: a poesia de Everton Behenck
Caio
Riter
É
comum em rodas de bate-papo literário falar-se sobre o porquê de tão poucos
livros de poesia serem publicados (aliás, conheço vários poetas ¾
e bons! ¾ que reclamam de terem originais disponíveis
e de receberem “nãos” em relação à publicação). A resposta, sempre a mesma:
poesia não vende. Porém, o questionamento, agora sim, se defronta com
realidades preocupantes. Se a máxima é verdadeira, significa que existem poucos
leitores de poesia, afinal na escola (e eu sou exemplo disso) nunca se ensina o
deleite estético que a linguagem cifrada da poesia, com sua plurissignificação
pode suscitar. E, na faculdade, jamais fui instado, motivado a ler um livro de
poesia. Lia livros de contos, romances, novelas. Todavia, quando a leitura era
de poesia, o professor fazia um polígrafo e deixava disponível na reprografia. Aí,
líamos pedaços de livros, poemas esparsos, sem conversa intertextual com os
demais poemas que figuram no mesmo livro do qual foram amputados. Assim, o
ciclo se torna vicioso: se eu não aprendo a ler poesia, como posso ser um
consumidor, um apreciador de poesia?
Outro
problema que me preocupa, sobremaneira, é o tanto de escritores-poetas que
temos por aí. Me pergunto se a maioria deles lê poesia. E, quando me deparo com
algumas produções, quer na rede ou no papel, percebo que muitos autores carecem
da maior qualidade de um poeta: ler seus pares, apreciar a poesia dos mestres e
dos seus contemporâneos. Nota-se, pois, que muitos poemas estão vazios de
poeticidade. Muitos poemas não conseguem ultrapassar a experiência particular
do autor; o eu lírico não é outro senão aquele que expressa o sentir do próprio
escrevente. E isso, a meu ver, é mal. Isso descarta a possibilidade de poesia
presente naqueles versos que servem mais como biografia do que como literatura.
O
bom poeta, o poeta maior, recolhe de sua experiência (e, creio, das
experiências dos que o cercam) momentos de sensibilidade. Porém, o eu se
transfigura. Não é mais o eu que vivenciou o fato, o ato, o sentimento. Não, já
é outro. Um outro que finge tal sofrimento, como já apregoou Pessoa, fazendo desse
fingimento um fingir tão fingido que não é mais apenas a sua dor presente no
poema, mas a dor da humanidade, a dor do altero, a minha dor também.
Everton
Behenck é poeta. Dos bons. E conheci sua poesia, quando andava peneirando poeta
na internet. Cheguei ao seu blog e pincei um dos seus tantos poemas para
divulgar em meu blog, num marcador a que eu chamava de Gente Nova. Nunca conversei com o Everton; nunca trocamos ideias
sobre o poetar, sobre a delicadeza profunda de seu poetar. Mas ele sempre foi
encantamento para mim. Há um simplicidade de difícil construção na percepção de
temas existenciais. O simples, já disse Edilberto Coutinho, é mais complicado
de se obter.
O
eu lírico de os dentes da delicadeza
(Não Editora, 2010) ¾ assim mesmo, em
minúsculas ¾ mergulha em subjetividades. Há espaço para
discutir o poetar, como no poema de abertura (aliás, os poemas não têm títulos),
para a morte, para o amor, para a infância, para o encontro e também para o
desencontro. O poeta, no entanto, está consciente do trabalho literário. Sabe que
as palavras não se entregam, sabe que elas têm de ser cortejadas, subjugadas, a
fim de que possam expor a carnadura do viver, não apenas a pele exposta e
visível aos medíocres.
Nenhuma
palavra
É dita
assim fácil
É
preciso
Arrancá-la
da pele
Tirar o
sangue
Do medo
Ninguém
escreve uma palavra
Assim fácil.
E o poeta morde. Sua
mordida, embora delicada, é, muitas vezes, dolorida. Os versos são breves, a
dicção entrecortada, tudo a dar conta de uma percepção um tanto fragmentada do
existir. Situações comuns, talvez vividas por mim, por você que me lê; talvez apenas
possibilidades para aquele que respira, mas que espera da vida bem mais. A dor
do existir está ali, mas também se faz presente a fluidez da vida, assim como a
necessidade de reumanizarmos o humano, embora o poeta seja sabedor de sua pouca
sabedoria. O segredo, talvez, esteja mesmo no próprio viver.
Não sei do amor
Nem sei da carne
Mais do que qualquer
outro bicho
sabe
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