Alguém já disse — e se não foi dito,
deveria ter sido — que quem escreve cria mundos possíveis. Há um tanto de
verdade nas invenções que aquele que urde universos ficcionais cria. Deparar-se
com uma história, vertida em palavras no papel (ou em qualquer outro suporte) é
sempre convite para mergulho num mundo outro, não nosso, mas também nosso.
Aquele que escreve gesta mundos.
E a dor do parto se dá no momento
vário da gestação: nada nasce pronto no caso da literatura; tudo precisa de
labor, de alimento que possa gerar uma criatura que nunca estará completamente
acabada, afinal escrever pressupõe — além do trabalho do burilamento da palavra
e das escolhas estruturais (Que narrador usar? Como estruturar os diálogos?
Qual a perspectiva narrativa? Como intensificar o conflito? Qual a medida certa
para configurar os personagens?) —, a interlocução com o leitor: é ele quem põe
sentidos outros naquilo que se escreve; é ele quem nos ajuda a gestar aquele
que foi parido.
Aquele que escreve parteja para os
outros.
Escrever é também mergulho no âmago da
palavra. Busca-se despertá-la, procura-se um tanto de novidade, para que, no
arranjo e rearranjo do verbo, possa-se propiciar o nascimento de um outro
mundo. Mundo outro, porém extremamente ligado a este. Este que está aí, na
nossa frente, e que, muitas vezes, a literatura nos ajuda a ver.
Aquele que escreve estende olhares.
Há quem afiance que a escrita é
prática solitária. Por vezes, sim. Mas nem sempre. Quem acredita no trabalho de
uma oficina sabe que a troca e a orientação, visto que são possibilidades de
leitura diferenciadas daquela de quem pariu o verbo, são auxiliares importantes
na produção literária. A oficina, diria eu, oferece um primeiro leitor. Um
leitor que pode suscitar qualificação para o texto recém-nascido.
E por falar de oficinas, é muito
comum seus detratores afiançarem que o que gesta um escritor é seu dom nato, é
sua capacidade de inspiração, são os seus mergulhos em seus próprios
sentimentos e volições. Discordo: o que torna alguém um escritor é a capacidade
que este mesmo alguém tem de dar forma àquilo a que alguns chamam de
inspiração. E, para urdir a arquitetura literária de um texto, precisa-se, sim,
do conhecimento técnico. Este pode se dar de forma autodidata, através da
capacidade leitora daquele que escreve, ou se formar a partir da troca, da
aquisição do conhecimento através do exercício e da orientação de alguém que já
tenha galgado caminhos semelhantes.
Oficinas literárias não formam escritores.
Todavia, elas se constituem espaços
interessantes (e importantes) para a discussão do labor literário; são
possibilidade para que o debate sobre a escrita possa produzir eco; são porta
aberta para quem deseja forjar de forma mais eficiente o desejo pela palavra.
Oficinas literárias não formam
escritores.
Porém, elas aguçam olhares, capacitam
leituras, concedem ferramentas (e o domínio sobre estas ferramentas), a fim de
capacitar aquele que pretende gestar histórias e poemas para que possa ser mais senhor
de sua escrita.
Oficinas literárias não formam
escritores.
Mas são elas que, de certa forma,
capacitam o escritor e destroem determinados estereótipos ligados à escrita,
que, a meu ver, são empecilhos para a profissionalização do escritor. A
ausência de um olhar mais racional sobre o fazer literário (que as oficinas
normalmente propõem) retira a aura de “iluminação” ainda muito arraigada na
mente de alguns escritores. Aquela visão ingênua de que, se o texto surgiu
assim, ele deve ficar assim; visão que apregoa a inspiração como matriz
soberana e absoluta da autoria. Não se dão conta, estes, de que a autoria se
constitui na capacidade (maior ou menor) de se trabalhar sobre a matriz da
inspiração. Afinal, se queremos ser profissionais da palavra, devemos sempre buscar
a troca, devemos caminhar ao encontro do aprimoramento, devemos não nos cansar
diante da palavra que se recusa à forja. Afinal, como tantos já disseram e como
Drummond sintetizou também, “a luta com as palavras é a luta mais vã, lutamos
mal rompe a manhã.”
Oficinas não fazem de alguém um
escritor, mas podem aprimorar aquele que possui a verve criativa para a
escrita. Oficinas sugerem caminhos, apresentam estradas e atalhos, rotas e
percursos. O autor é quem fará suas escolhas. Sempre.