segunda-feira, 31 de março de 2008

Caio leitor 5: Cinzas de homens abreviados

Cinzas do Norte, de Milton Hatoum, é tingido de cores trágicas. Lavo narra — distanciado temporalmente dos fatos, mas ainda completamente tocado pelas figuras míticas de Mundo, Alícia, Jano e Ran — sua relação com Raimundo, jovem cujo conflito com o pai revela-se determinante nas escolhas que faz na vida. Ao contar a história do amigo, Lavo expõe conflitos familiares e personagens cuja ausência de palavra torna-se fundamental na construção de um universo marcado pela solidão. Todos, na verdade, vítimas da paralisia imposa àqueles que não se permitem ser, não se permitem verbalizar-se. Assim, por causa da insuficiência verbal, o que lhes resta senão apenas buscarem manter-se vivos até que a Desdita ponha fim em suas aflições? Seres incompletos, seres que debatem-se na busca do encontro e que — como Édipo — não conseguem superar o fado.
É interessante perceber que os homens de Cinzas do Norte possuem identidades abreviadas. Seus nomes de batismo cedem lugar para apelidos, que são contrações, abreviaturas de suas nominações. Desta forma, o poderoso Trajano torna-se Jano; Raimundo vira Mundo; Olavo, Lavo e Ranulfo torna-se Ran, e — embora suas vozes construam a narrativa, através de cartas ou da narração — seus "eus", assim como seus nomes, não dão conta da totalidade que os conforma.
Na verdade, Mundo debate-se na dúvida sobre sua origem. Será Jano seu pai ou terá sido gestado numa relação adúltera da mãe com Ran, a quem, aliás, Alícia confia a educação do filho, influenciando-o e, de certa forma, reforçando a rivalidade entre Jano e Mundo? No entanto, a surpresa que Hatoum guarda para o final vai ao encontro do silêncio que marca a trajetória de enganos que marca a existência de todos. Dor funda é a fala final de Mundo na carta lida pós-morte: "Não posso mais falar nem escrever. Amigo... sou menos que uma voz..." (p.311)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Caio e os escritores 4: Vera Karam

Encontrei Vera Karam, pela primeira vez, na Oficina Literária do Assis Brasil. Isso em 1990, acho. Estávamos lá, nós e mais treze aspirantes a escritores, e fomos, creio, sintonia desde o início. Sempre em contato, sempre trocando idéias ou nos envolvendo em projetos. Lembro que ela me convidou para uma oficina de textos para teatro. Não fui. E lá, Vera, que havia sido atriz, redescobriu a arte dramática sob um outro viés: o da palavra. E marcou a dramaturgia gaúcha, a dramaturgia nacional. Sempre um sorriso largo, sempre um olhar em suspenso, como se já adivinhasse o sucesso, como se não acreditasse nele. E ele veio, e ela sempre, antes de alguma sessão de autógrafos (filas enormes!), a ligar solicitando presença. A frase, que hoje imito, sempre a mesma: "Não me deixem só!" E não deixava. E tão pouco ela a mim. Éramos leitores um do outro, críticos também.
Depois veio a doença, luta ferenha, e, então, a despedida em primeiro dia de novo ano. Vera parece que afirmando que, enfim, o seu ciclo se encerrava e ela aceitava isso. Passou-me, quando ainda estava no hospital, o original de uma nova peça: O casal. Peça que ainda não foi montada, peça onde se percebe sua visão mordaz e divertida, tragicômica, do mundo, das relações familiares.
Vera foi luz. E suas palavras seguem hoje conquistando leitores, seguem revividas através de diferentes montagens por todo o Brasil. Vera Karam sempre será lembrança boa em meu coração. (Na foto, nós na Feira do Livro de Porto Alegre, 1999)

terça-feira, 25 de março de 2008

Outras palavras 4: Fernando Pessoa

O que sinto, na verdadeira substância com que o sinto,é absolutamente incomunicável; e, quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é. Para que eu, pois, possa transmitir a outrem o que sinto, tenho que traduzir os meus sentimentos na linguagem dele, isto é, que dizer coisas como sendo as que eu sinto, que ele, lendo-as, sinta exatamente o que eu senti. E como este outrem é, por hipótese de arte, não esta ou aquela pessoa, mas toda a gente, isto é, aquela pessoa que é comum a todas as pessoas, o que, afinal, tenho que fazer é converter os meus sentimentos num sentimento humano típico, ainda que pervertendo a verdadeira natureza daquilo que senti.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Gente Nova 1 - Carla Laidens

Gente nova quer abrir espaço, dar forma às vozes de tantos escritores e escritoras que se iniciam na luta com as palavras. Luta vã, como afiançava Drummond. Assim, todo espaço de liberdade para que versos e histórias voem e possam fazer porto em muitos corações é bem-vindo. Eu, pelo menos, penso assim. Seguem, pois, os versos de Carla Laidens (Porto Alegre-RS).


Matar faz-se na calada

Carla Laidens

como a criança
tomada em seu mais profundo medo
chora a alegria da vidraça quebrada
assisto teu derradeiro fim

definhas perante meus olho
se eu nada posso fazer senão esperar alívio
depois que te fores
nunca mais te precisarei chorar
não te sentirei saudades

já no caminho
terás percebido
que tão simples como é te amar
é te matar
meu amor…

te sinto partir
e como me são tristes as despedidas…

De onde nascem as histórias?

A pergunta-título é recorrência em encontros com leitores, em momentos de oficina literária ou em qualquer outra situação em que alguém fica sabendo que escrevo. Há sempre grande fascínio e curiosidade pela atividade de escrever. Este fascínio, muitas vezes, quer apenas desvendar a origem daquilo a que chamamos de inspiração, que — em seu universo de sombra e magia — parece exigir decifração. E, quando me perguntam de onde vêm as histórias, minha resposta é simples (e verdadeira!): Histórias vêm da vida, brotam da experiência. Mas não necessariamente de algo vivido ou experimentado por mim. Não, ficção não é realidade, mas alimenta-se dela. Por vezes, uma frase, uma cena ou uma pessoa podem ser o convite deflagrador para a problematização do viver.
Bem, aí, quando esse pedaço de real começa a latejar em mim, neste momento, percebo que há uma história a ser contada. O primeiro passo é buscar quem está por trás desta história que pede narração: Quem é o protagonista? Que relações humanas ele mantém? Que sonhos possui? O que o atormenta? Destas perguntas iniciais, nasce o tudo.
Afinal, diálogos, cenas, coadjuvantes orbitam em torno daquele que protagonizará o drama que merece ser escrito por mim. E a vida, com suas experiências, minhas e de outros, vai fazendo com que eu mergulhe na interioridade de meu personagem, a fim de conduzi-lo em sua trajetória até o ponto que antevi e ao qual quero que ele chegue. E como tenho contato com muitos adolesentes em minha prática docente, e como escrevo textos que problematizam o adolescer, muitas vezes colho da vida algumas palavras ou personagens, como, por exemplo, uma frase trocada com o Lucas Rossi (um adolescente atípico), via msn, em que ele se dizia sem vocação para ser adolescente, por causa de sua preferência em conviver com adultos. Ao dizer isso, meu amigo referia-se aos adolescentes mais comuns, aqueles meio tipificados. (Tal frase, é claro, acabou sendo vertida em ficção num texto recém-concluído).
Eu, nas histórias que invento, sempre cedo o protagonismo a estes adolescentes especiais, pois quero que meus leitores possam experimentar um outro discurso, um outro modo de adolescer. Assim que surgiram o Renato, de Debaixo de mau tempo, ou o Alexandre, de O tempo das surpresas, ou a Teresa, de O menino do Portinari, ou, ainda, a DJ e o Marcelo, de O rapaz que não era de Liverpool.

sábado, 22 de março de 2008

Palavras 9

VIAGENS - Sempre ocasião para aprendizagem. Saímos de nosso eixo, deparamo-nos com o desconhecido, com o altero, numa relação paradoxal: o estranho é o outro para nós; e nós, o estranho para o outro. Tudo é novo, tudo é convite a que o olhar se abra em encantamentos. O desejo mesmo — e a insuficiência — de tentar guardar bem no dentro o tudo do novo que se apresenta.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Ventos Literários

Março iniciou com alguns bons ventos. Participei da Feira do Livro de Parobé, onde tive oportunidade de, mais uma vez, trocar idéias com leitores de meus livros. No dia 27, estarei participando da feira de Capão da Canoa.
As feiras, espalhadas por esse nosso Rio Grande, são sempre, se bem organizadas, espaço para encontros com a palavra literária. O problema é quando alguns coordenadores acreditam que o espaço é para shows e etc que nada tem a ver com leitura. Pena. Acaba o livro, naquele que deveria ser seu maior e melhor espaço, relegado a segundo plano. Ah, e sem falar nas malditas maletas...
Mas há boas feiras, bons projetos, como o de Morro Reuter, por exemplo. E o de Osório, do qual terei o prazer de participar. Serão dez encontros com escritores durante 2008. O projeto foi bolado e é coordenado pela Marô Barbieri. No início de Abril eu estarei por lá, a fim de dar início aos encontros com os leitores. Fazem parte do VENTO DE LETRAS, os escritores Hermes Bernardi Jr, Christina Dias, Valesca de Assis, Carlos Urbim, Jane Tutikian, Celso Gutfreind, Sérgio Napp, Celso Sisto, Marô Barbieri e eu, é claro.
Abaixo, minha manifestação no lançamento do projeto:


Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2008.


Promover ventos sempre é necessidade, afinal são eles que conduzem navios, são eles que movem montanhas, são eles que sustentam pássaros em altos e rasantes vôos. Benditos aqueles que semeiam ventos, pois estes são agentes e embriões de mudanças, de transformações, de mais e mais ventanias.
E quando o vento é de letras, de palavras literárias, melhor ainda. É espalhar sementes de leitura em corações sedentos de magia, de fantasia, de conhecimento, de reflexão. Ler traz sempre a possibilidade de troca, de encontro com o outro e consigo mesmo. Impossível, depois de uma leitura literária, sermos os mesmos. A leitura é porta aberta para a transformação, para o crescimento individual e coletivo. Seus ventos provocam vendavais, provocam tempestades no interior daqueles que são colocados diante dos livros.
Que bom poder ser parte deste Vento de Letras que começa hoje a soprar sobre Osório. Vento que, com certeza, produzirá muitos frutos de cidadania e de sonho, elementos essenciais para a construção de homens e mulheres renovados.
Assim, queridos parceiros, meu carinho e o desejo de que mais e mais ventos literários soprem durante todo o ano sobre esta cidade em que o livro tem papel importante e especial. E, como hoje não pude estar com vocês, enviar essas breves palavras, através da Marô, foi forma de me fazer presença.

Abraços,

Caio Riter

quinta-feira, 20 de março de 2008

Reinações no FESTIPOA

De 26 a 29 de março, estará ocorrendo a Festa da Literatura de Porto Alegre, uma iniciativa bem bacana do Fernando Ramos, do Jornal Vaia, que irá promover, durante estes dias, bate-papos, mesas, saraus, lançamentos de livros e tantos outros etc. Momento bacana de a gente pensar a produção literária porto-alegrense. Nomes consagrados misturados a pessoal que dá primeiros passos na literatura, abrindo a gaveta e mostrando seus textos, suas idéias, suas possibilidades sempre é soma, sempre revela o tanto que se faz em nossa capital.
E alguns escritores da Reinações, no dia 29, a partir das 14h30min, na Palavraria, estarão debatendo a literatura gaúcha dirigida a crianças e adolescentes, na mesa: Literatura Infanto-Juvenil Gaúcha: caminhos e problematização. Eu, o Dill, a Marô, o Levitan, o Hermes, o Napp e o Christian estaremos conversando sobre a narrativa e a poesia para crianças, a questão da criação e também a questão estético-artística.
Quem aparecer, creio, curtirá demais. Informações sobre o evento podem ser acessadas no blog: http://festipoaliteraria.blogspot.com/

terça-feira, 18 de março de 2008

Palavras 8

ORFANDADE - Como estar perdido, mesmo estando entre os seus. Esse saber-se sem ninguém que nos anteceda, sem corda que possa unir novamente o navio ao porto. É ser árvore cujas raízes não permitem mais deslocar de seiva. Uma saudade eterna. E incurável.

sábado, 15 de março de 2008

Caio leitor 4:O dourado da bússola de Lyra

O livro:


Lyra, protagonista de A bússola de ouro, de Philip Pullman, é menina órfã, criada meio por si mesma entre os catedráticos da Universidade Jordan. Todavia, logo no início da narrativa, o leitor fica sabendo que Lyra não é uma garota comum. Há um segredo que remonta a sua origem; há outro mistério envolvendo seu futuro e uma grande missão que terá de cumprir. Assim, a menina se insere na galeria dos personagens predestinados, estilo Harry Potter, cuja marca de nascença revela um destino do qual não pode escapar.
Sempre acompanhada por Pantalaimon, seu dimon (aqui cabe um parênteses: dimons são seres metamórficos, que assumem — até seus donos atingiram a idade adulta — as mais diferentes formas de animais, e que são uma espécie de alma de seus senhores: falam com eles, sentem como eles e deles jamais podem se apartar.), Lyra, ao reencontrar Lorde Asriel e ao descobrir que seu amigo Roger foi seqüestrado pelos Gooblers, parte numa aventura cujo único e maior objetivo é salvar — como prometera anteriormente — seu pequeno amigo. Em seu périplo, sempre fazendo uso do aletiômetro (a tal bússola do título), a jovem vai descobrindo-se como alguém capaz de superar os obstáculos na busca de seu destino.
A jornada é longa. Espaço para encontro com grandes aliados, tais como os gípcios John Faa e Farder Coram, a feiticeira Serafina Pekala e o urso branco Iorek Byrnisson, mas também para descobertas de seres terríveis, moldados para o mal, como a sra. Coulter, cujo objetivo maior é seccionar as crianças, separando-as de seus dimons.
Philip Pullman constrói uma narrativa fantástica, um universo meio espelhado ao real, onde tudo é apenas faceta reflexa do mundo em que vivemos. Lyra, a jovem e despreparada protagonista, é ser em crescimento, vítima do próprio destino, marionete movida pelo fado, mesmo quando tenta fugir dele. Espécie de Édipo. E, ao descobrir o que a esperava no término de sua missão primeira, só cabe à menina voltar as costas para o mundo conhecido e mergulhar no insólito. Mais uma vez. Afinal, como diz Serafina, “não se pode mudar o que a gente é, só o que a gente faz”. (p.290).

O filme:
Redundante, parece-me, mas não custa constatar mais uma vez: livro é livro; filme é filme. No caso da versão cinematográfica de A bússola de ouro, dirigida por Chris Weitz, a premissa, novamente, é comprovada. Afinal, o roteiro, além de modificar a cronologia dos fatos narrados no livro e atenuar as reflexões das personagens, abrevia momentos importantes da trama e “limpa”, de certa forma,o filme de cenas mais fortes (talvez, pensando no público a que se destina), como a revelação da origem de Lyra, a morte de Tony Makarios e o destino de Roger.
Apesar de um visual belíssimo, a versão para o cinema não encanta tanto como o livro. Neste, o convite à imaginação é maior e toma o leitor, que vai, aos poucos, acercando-se da história, aparando as arestas e preenchendo as lacunas que as várias perguntas lançadas no interior da narrativa provocam no leitor. O livro é surpresa; o filme, óbvio.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Outras palavras 3: Julio Cortázar

Um texto bem-sucedido formalmente exige não tanto a presença, mas a ausência de elementos inúteis e negativos (...) corrigir é suprimir. (...) Para mim, estilo é uma certa tensão, e se chega a esta tensão através da redução do texto ao absolutamente necessário. (...) A má literatura está cheia de franjinhas. É literatura com franja.
(In: BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar, Zahar Editor, 2002.

domingo, 9 de março de 2008

Caio e os escritores 3: Maria Carpi

Conheci, num primeiro momento, as palavras poéticas de Maria Carpi, quando recebi de um amigo o livro Caderno das águas (WSEditor). Bastou mergulhar em sua lírica, repleta de elementos naturais que se abrem a belas imagens e a um vasto universo simbólico, para ser paixão literária. Após, lá por 1998, eu desempenhando a função de professor substituto na UFRGS, ao ministrar a disciplina de Poesia Brasileira, julguei que seria interessante que os alunos pudessem conversar com alguém que fazia da poesia não apenas uma tarefa, mas a própria vida.
Maria vive poeticamente.
E, lá no Instituto da UFRGS, ao nos conhecermos. Simpatia mútua instantânea. E eu, além de poder considerar a Maria parte da minha galeria de afetos, passei a acompanhar sua poesia. Para mim, uma das melhores poéticas atualmente produzidas no Brasil. Porém, por vezes, pouco conhecida. Poesia que busca a origem da palavra, a origem do viver, à medida que parece não interessar à Maria Carpi apenas a arquitetura lírica, mas sobretudo a reflexão sobre a vida. Poesia e filosofia irmanadas nos versos que a voz de Maria canta, e recanta.

Seguem abaixo alguns versos seus, retirados do livro A migalha e a Fome, Editora Vozes, 2001, p.16.

Há coisas que são pensamentos
que sangram. Pensamentos
sem pálpebras, como um olho

de azeite na água. Astro
que não voga as sombras,
astro com árvores sepultas.

Os ramos inclusos. As folhas
inclusas, dobradas. A fruta
inerte. Sem tinta visível no papel.

Há um pensamento que não vinha.
Há poemas que são figos
que não suportam embalagem. (...)

(foto: Cíntia Moscovich, na noite de entrega do Prêmio AGES-Livro do Ano-2006)

sábado, 8 de março de 2008

Os melhores livros da Confraria Reinações

Listas são sempre subjetivas. Estas não querem ser totalizantes, mas apenas apresentar dez textos nacionais e dez textos estrangeiros, escritos para crianças e/ou adolescentes, considerados pelos confrades da REINAÇÕES: CONFRARIA DA LEITURA DE TEXTOS INFANTO-JUVENIS, como livros que merecem ser lidos, quer pela temática que abordam, quer pela arquitetura estética.Tal pesquisa foi realizada durante os meses de novembro/2007 a fevereiro/2008, entre os participantes das reuniões da confraria que votaram livremente nos textos, sem qualquer indicação prévia. A apuração foi realizada por Christian David e Carla Laidens.Participam da REINAÇÕES escritores, professores, publicitários, estudantes e leitores em geral. Os encontros ocorrem mensalmente na LETRAS & CIA, em Porto Alegre-RS

NACIONAIS
1. Corda Bamba – Lygia Bojunga

2. A bolsa amarela – Lygia Bojunga
3. Reinações de Narizinho – Monteiro Lobato
4. Ou isto ou aquilo – Cecília Meireles
5. Pé de Pilão – Mário Quintana
6. Poemas para brincar – José Paulo Paes
7. Uma idéia toda azul – Marina Colasanti
8. O menino maluquinho – Ziraldo
9. Bisa Bia Bisa Bel – Ana Maria Machado
10. Quase verdade – Clarice Lispector

ESTRANGEIROS
1. Alice no país das maravilhas – Lewis Carrol

2. Peter Pan – James Barrie
3. O mágico de Oz – Frank Baum
4. Pinóquio – Carlo Collodi
5. O teatro de sombras da Ofélia – Michael Ende Frederick
6. Harry Potter – J. K. Rowling
7. O pequeno príncipe – Antoine de Saint Exupéry
8. 20.000 léguas submarinas – Júlio Verne
9. A ilha do tesouro – R.L.Stevenson
10. O senhor dos anéis - Tolkien

Palavras 7


MULHER - Olhos outros de ver o mundo, de mergulhar no dentro de nós. Matriz fundante. Força originária: avó, mãe, filha, amada, companheira, amante. E tantas outras facetas que nem o maior dos poetas cantou ou o maior dos artistas pintou.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Outras palavras 2: Maria Clara Machado


Não sei definir meu trabalho, eu crio a partir do zero, é vocação, nasci para fazer isso, as teorias ficam para os críticos. Um poeta não escreve assim por causa daquilo. Somos intuitivos, é uma questão de momento.

Reinações de Março: Tabajara Ruas

A Reinações segue firme e forte. Agora em março, o debate, coordenado pelo Sergio Napp, será sobre o primeiro livro escrito por Tabajara Ruas para o público juvenil: Diogo e Diana - Volume 1. O autor promete uma trilogia envolvendo a dupla de protagonistas envolvida em mistérios na ilha de Floripa. Esse debate promete.
11º Encontro da Confraria Reinações: dia 27/03,às 19h, na Letras & Cia, rua Oswaldo Aranha, 444, entrada franca.












quinta-feira, 6 de março de 2008

Caio Leitor 3 - Píppi sempre dá um jeito

Entre as páginas de um livro de Astrid Lündgren, dois olhinhos curiosos, afoitos pela vida, me espiam. E são convite. Vejo pés calçados em sapatos enormes, que, num pulo, fazem com que uma menina diferente, salte, de costas, para dentro do meu coração de leitor.
Me surpreendo. Pergunto:
— Por que você caminha assim, de costas?
Ela se volta para mim, e a cara sardenta sorri.
— É que eu quero voltar pelo mesmo caminho que vim!
Lógica estranha. E, ao mesmo tempo, fascinante, a desta garota.
Cabelos vermelhos, presos em duas enormes tranças, meias listradas que lhe cobrem as pernas, um vestido azul, meio velho, um ou outro remendo. A menina ruiva me fita com interesse, sabe já que me cativou. Leio em seus olhos que ela é menina de histórias, de invenções, de alegrias. Ela, talvez leia no meu olhar o desejo de conhecê-la melhor. Estende-me a mão. Eu a seguro, e sem soltar-me, a menina de seus 9 anos, se apresenta:
— Oi, prazer. Eu sou a Píppi. Píppi Meialonga, a seu dispor.
Sorrio também. Fui com a cara dela, apesar daquele jeitinho meio maluco. Maluco, não. Diferente. Jeito de quem sabe fantasiar a vida, jeito de quem sabe encantar quem a cerca, jeito de quem inventa o próprio existir, jeito de quem adora embarcar nas asas da fantasia. Gosto da menina, e nem me surpreendo, quando ela me puxa para dentro do livro e me convida a ser seu parceiro no universo do faz-de-conta.
E eu, homem de mais de quarenta, doutor, professor, escritor, pai, e tantas outras coisas que vamos sendo na vida, quando percebo, sou companheiro da menina ruiva em suas andanças por Vila Vilekula. Depois, entramos no interior da grande árvore, e de lá, ficamos a espiar o mundo. Legal ver a vida por aquele buraquinho. Legal também sair pelas ruas e campos à procura de coisas perdidas. E, ao lado de Píppi, vale encontrar tudo, e nada: “barras de ouro, penas de avestruz, ratos mortos, caramelos, parafusinhos pequenos...Coisas assim.”
Píppi sempre dá um jeito.
E,ao lado de minha nova amiga, vou-me descobrindo também um encontrador de coisas: alegria, fantasia, prazer com a leitura, fuga da rotina, mergulho renovado na infância. Píppi me proporciona isso, e muito mais.
— Olha, diz ela, lá vem meus amigos!
Um macaco, um cavalo, um menino e uma menina. Eles chegam e em seus rostos há o muito da alegria com que Píppi, como mais ninguém, sabe contagiar. Senhor Nilson, o macaco, Aninha, a menina, Tom, o menino, e o Cavalo, que desconfio chama-se cavalo mesmo. Coisas da Píppi.
Depois me mostra sua casa: a Vila Vilekula. Pequeno casebre, caindo aos pedaços, bem na beirinha da cidade. O jardim com grama alta revela a alma “descuidada” de sua proprietária.
— Você mora sozinha aqui?
Ela ri. Parece mesmo que eu digo alguma bobagem.
— Não. É óbvio que não. Moro com o Senhor Nilson e com o Cavalo.
— Ah!, exclamo, sem saber ao certo o que dizer, pensando que, talvez, seja mesmo normal viver na companhia de animais: um macaco e de um cavalo. Deve ser. Deve ser.
Píppi me diz que seu pai é o chefe de uma tribo de canibais em uma ilha, conta que possui uma mala cheia de barras de ouro, fala até que, dia destes, uma dupla de bandidos tentou roubá-la. Onde já se viu atacarem uma pobre menina indefesa? Talvez, assim como eu, ao olhar para Píppi, os bandidos pensaram assim. Tadinha, sozinha e cheia de barras de ouro. Prato feito para gente maldosa e cobiçosa. Porém, os dois, literalmente, dançaram, conta ela. Desconheciam, por certo, que estavam diante da menina mais forte do mundo. Píppi é forte mesmo. Nesse momento, ergue o cavalo numa das mãos e Tom e Aninha na outra. E eu, ali, perplexo, diante de tanta novidade.
Mas é hora de retorno, penso. Tenho uma pequena palestra a preparar. Nela devo apresentar a Píppi. Tarefa difícil. Talvez o melhor fosse ela mesma se apresentar. Falar um pouco de si, um pouco de sua vida, de suas aventuras pelos mares ou mesmo na Vila Vilekula. Contar suas tantas histórias, as vividas e as inventadas.
Dou tiau a Píppi e a seus amigos. A vida real me chama. Assim, me vou, embora saiba que esse encontro com a menina de cabelos vermelhos ficará guardado em meu coração para sempre.
— Você vá. Mas volte, diz ela. Preciso de companhia para escalar a montanha Marachu.
— Montanha Marachu? Onde fica? – pergunto.
— E eu sei, diz ela. Vamos procurar juntos.
Rio.


Píppi, de fato, não tem jeito.
Porém, sempre dá um!

No caminho de volta, me pergunto: com que palavras eu poderia retratar essa personagem que rompeu as fronteiras do país de Astrid Lindgren, sua criadora, e passou a encantar as crianças de todos os lugares em todos os tempos?
Busco-a, assim, em suas próprias aventuras. É nelas que Píppi se revela.
Diferente, forte, extraordinária. Alguém cuja lógica é a da fantasia. Para ela, não há limite, não há medos, não há interdições. O mundo adulto se curva à Píppi. Quer quando ela se torna heroína capaz de salvar duas crianças de um terrível incêndio, quer quando participa de um chá em que o tema de debate são as empregadas, ou mesmo quando, para surpresa de todos, revela-se autônoma, visto que mora sozinha, ela mesma cuidando de si e dando ordens a si própria.
Aí, com certeza, reside o fascínio infantil por Píppi. Ela é livre, em sua vida não há proibições. E, caso haja, é a menina mesma que as impõe. Não há uma voz adulta a dizer-lhe o que deve e o que não deve fazer. Alheia às diretrizes do mundo real, a garota vive num universo quase paralelo. Nele, através de uma ótica ingênua, e que algumas vezes parece “alienada”, Píppi constrói uma nova forma de se relacionar com o mundo adulto. Ela é criança, ela é livre, totalmente aberta à fantasia, que se confunde a todo momento com a vida real.
Todavia, percebe-se na menina um grande desejo de aceitação. Desejo que, mesmo que muitas vezes não satisfeito, não a imobiliza. Ao contrário, é mola propulsora para mais e mais histórias, mais e mais aventuras, mais e mais desafios.
Bem. E essa é Píppi, com sua lógica ilógica, que encanta corações infantis e outros nem tanto. Como o meu. Mas para amar Píppi, é necessário desarmar-se, coisa que muitos adultos não sabem mais fazer. Que pena!
E se você quiser conhecer Píppi como eu conheci, mergulhe nas páginas de Píppi Meialonga, de Astrid Lündgren.



domingo, 2 de março de 2008

Outras palavras: Clarice

Sob a marca de Outras palavras, serão registrados reflexões, pensamentos e opiniões de diversos escritores e escritoras sobre a escrita, a criação, o ato de verter-se em palavras na construção poética ou na invenção de mundos ficcionais. E as primeiras palavras vêm de Clarice Lispector:

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler "distraidamente". In: Para não esquecer, p.41.