segunda-feira, 31 de março de 2008

Caio leitor 5: Cinzas de homens abreviados

Cinzas do Norte, de Milton Hatoum, é tingido de cores trágicas. Lavo narra — distanciado temporalmente dos fatos, mas ainda completamente tocado pelas figuras míticas de Mundo, Alícia, Jano e Ran — sua relação com Raimundo, jovem cujo conflito com o pai revela-se determinante nas escolhas que faz na vida. Ao contar a história do amigo, Lavo expõe conflitos familiares e personagens cuja ausência de palavra torna-se fundamental na construção de um universo marcado pela solidão. Todos, na verdade, vítimas da paralisia imposa àqueles que não se permitem ser, não se permitem verbalizar-se. Assim, por causa da insuficiência verbal, o que lhes resta senão apenas buscarem manter-se vivos até que a Desdita ponha fim em suas aflições? Seres incompletos, seres que debatem-se na busca do encontro e que — como Édipo — não conseguem superar o fado.
É interessante perceber que os homens de Cinzas do Norte possuem identidades abreviadas. Seus nomes de batismo cedem lugar para apelidos, que são contrações, abreviaturas de suas nominações. Desta forma, o poderoso Trajano torna-se Jano; Raimundo vira Mundo; Olavo, Lavo e Ranulfo torna-se Ran, e — embora suas vozes construam a narrativa, através de cartas ou da narração — seus "eus", assim como seus nomes, não dão conta da totalidade que os conforma.
Na verdade, Mundo debate-se na dúvida sobre sua origem. Será Jano seu pai ou terá sido gestado numa relação adúltera da mãe com Ran, a quem, aliás, Alícia confia a educação do filho, influenciando-o e, de certa forma, reforçando a rivalidade entre Jano e Mundo? No entanto, a surpresa que Hatoum guarda para o final vai ao encontro do silêncio que marca a trajetória de enganos que marca a existência de todos. Dor funda é a fala final de Mundo na carta lida pós-morte: "Não posso mais falar nem escrever. Amigo... sou menos que uma voz..." (p.311)

Um comentário:

Betina Pipet disse...

MUITO BOM! E...QUE LIVRO,HEIN?
ALIÁS, TODOS DELE.