quinta-feira, 30 de julho de 2009

Caio cronista 5

Mães contadoras de histórias

Ando pelas ruas, pelos parques de minha cidade. Observo nos pátios das escolas, nos recreios. Onde estão as brincadeiras de rodas? As cantigas, as parlendas, os trava-línguas, as adivinhações? Mergulho nos dormitórios dos tantos condomínios e não vejo mães debruçadas sobre os leitos de seus pequenos a entoarem canções de ninar. Por onde anda o Boi-da-cara-preta que pegava menino que tinha medo de careta? Onde o anel da Ciranda, que por ser de vidro se quebrou? Onde os chapéus que acenavam para Teresinha de Jesus?
Crianças não existem mais? Será preciso reinventá-las?
Minha mãe, ao cair da tarde, sentava-se na calçada em dias de verão. E eu e meus amigos a cercávamos para ouvirmos histórias de medo, em que seres do Além se tornavam protagonistas e nos enchiam de um medo tão sedutor, que, a cada fim, exigíamos — corpos paralisados, olhos no escuro da esquina, ouvidos escutando os sons do pavor — uma outra narrativa. De preferência, mais assustadora que a anterior. E não interessava se já a conhecíamos, o susto se renovava. Sempre.
Minha mãe, todavia, não apenas gastava aquelas últimas horas do dia como contadora de histórias. Gastava-as também com desafios. E o maior deles, a brincadeira do “Chefe-manda”, era instituído através de um ritual. Bastava ela gritar a primeira fala: “Bento que é bento?”, para que nos perfilássemos, sabedores que éramos de que tarefas impossíveis seriam dadas. E aqueles que não as executassem, ou as fizessem por último, receberiam bolinhos: alguns tapinhas na palma da mão, a qual estendíamos sem medo, cientes de que devíamos pagar tal prenda.
Minha mãe:
— Bento que é bento?
Nós:
— Frade.
Ela:
— Na boca do forno?
Todos nós:
— Fogo.
Ela, de novo, com olhos de expectativa sobre nós, aguardando a resposta:
— Soubesse mandar?
A gurizada:
— Queremos todos.
E bastava dizermos isso, que queríamos ser mandados, para que as tarefas, feito gincana, fossem sendo pronunciadas; a criançada correndo para cumpri-las.
Era bom aquele tempo de liberdade, aquele tempo em que as palavras mágicas de minha mãe instituíam um universo fantástico, em que tudo se tornava possível, especial, desejado.
Mas minha mãe era também mulher de surpresas. Houve uma vez em que nos ordenou correr ao encontro do vizinho mais mal-humorado, que descia do ônibus. O homem sério foi susto ao ver aquele universo de pequenos a cercarem-no e a darem-lhe boa-noite. Até sorriu. Primeiro sorriso dele, talvez, naquela rua.
Mães que brinquem, que contem histórias, que nanem seus rebentos, que poetizem a vida, que riam adivinhas, que proponham enigmas, que encham seus filhos de fantasias (pais também) são necessários. Em qualquer época, em todo momento. Criança que brinca é ser que sonha. E o sonho, tenho certeza, é condição para o existir.
“O peito do pé do Pedro é preto, diga rapidinho, sem gaguejar”, ouço a voz da Aurora, que vem de um tempo primeiro. E sorrio, e repito rápido, sem vacilar.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Meu tempo...

Faz tempo que não entro aqui para postar algo mais pessoal. Creio que os blogs carecem um pouco disso: a marca da pessoalidade. (ontem li na ZH que até o Saramago enveredou pelos blogs, afinal é meio que democratiza a escrita e a leitura, embora seus comentários estejam virando livro de papel também. Ah, a sensação de ver-se publicado em papel, ela ainda é máica, é desejo.) Eu até criei alguns marcadores, dei certa periodicidade a eles, mas, depois, a loucura do dia a dia vai nos envolvendo e um tanto daquilo a que nos propomos acaba sendo deixado para depois e o para depois sempre fica para depois. Sinto a necessidade do retorno aos marcadores, ao mesmo tempo que sinto a necessidade de me dedicar a tantas e outras escritas.
Em agosto, sai livro novo pela Projeto: Viagens ao redor de Felipe. Ando a mil na revisão, nos últimos acertos, para que entre em gráfica. O texto mantém uma relação intertextual com um clássico da literatura juvenil: Viagem ao centro da Terra, de Júlio Verne. Daqui a pouco, posto aqui capa e primeiro capítulo, apenas para troca com leitores, a fim de que possam partilhar comigo de mais este início.
Livro novo é sempre novo início. A expectativa da sessão de autógrafos, a angústia de se saber-se lido (até que ponto este livro irá ao encontro do leitor?). Tantas são as dúvidas, tantos os chamamentos para o mundo.
E eu escrevo.
Sempre querendo ser mais escrita.
Sempre querendo ser mais dono de meu tempo.

Caio Riter no Divulga Leitura 2


terça-feira, 21 de julho de 2009

Prêmio para a Coleção Leituras Descoladas


A Editora Biruta me manda e-mail comunicando que a Coleção Leituras Descoladas, da qual meu livro Meu pai não mora mais aqui faz arte, foi selecionada para aparecer no anuário 2009 da revista americana Communication Arts, um dos prêmios mais bacanas do design gráfico mundial. Parabéns ao pessoal da Rex Design que bolou o visual da coleção.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Fusquinha vira teatro de bonecos

A Cia Cráketi, de Cachoerinha, tornou o meu livro O Fusquinha cor-de-rosa uma peça de teatro de bonecos bem bacana. Já assisti e gostei muito. Abaixo o folder e os contatos, caso elguém se interesse em levá-la a feiras e eventos que envolvam a leitura.

domingo, 12 de julho de 2009

O Fusquinha vira trabalho acadêmico no Piauí

Bacana quando as histórias escritas pela gente ganham o coração dos leitores, bacana também quando ganham os corações de que estuda a literatura infanto-juvenil. Foi o que ocorreu com o meu livro O Fusquinha cor-de-rosa, que virou dissertação de conclusão de curso da Joanna Caroline Pontes Vilanova, cujo título é A quebra dos padrões impostos nas identidades de gênero na Literatura Infnato-juvenil contemporânea. A seguir, o resumo do projeto:

Resumo:
Este trabalho é composto de uma análise das obras: O fusquinha cor-de-rosa, de Caio Riter; e Menino brinca com Menina?, de Regina Drummond, sob a perspectiva da representação da identidade de gênero na literatura infantil. Para concretizar esse propósito, foi necessário, previamente, um embasamento teórico que expõe como a ideologia age em meios como a cultura, identidade, gênero e na formação do leitor infantil na escola ocultando as múltiplas realidades existentes na sociedade, a fim de constatar com a evolução dos tempos, a desmistificação de padrões de gênero que a sociedade estabelece. A partir da análise das obras selecionadas percebeu-se que a representação da identidade de gênero não tem intenção de determinar papéis inquestionáveis ao ser humano, mas sim desconstruir conceitos estereotipados, permitido que o leitor infantil torne-se, desde cedo, crítico diante da realidade que o cerca. Com essa nova perspectiva que é abordada no trabalho, o leitor criança ampliará sua visão de mundo e terá menos tendência de tornar-se um adulto preconceituoso e discriminador.