domingo, 31 de maio de 2020

Isolados

        Pensei que estes tempos de isolamento pudessem ser muito produtivos. Estar em casa seria momento para dar conta de projetos pensados, projetos em andamento ou até mesmo para revisões em projetos de escrita já prontos.
          Mas não.
         Vivo um tempo não tempo. Um tempo que passa rápido e que me ocupa com coisas que até então não me ocupavam tanto: a preparação de aulas exige mais, bem mais; a oficina literária é agora online, as lives e os encontros em alguma plataforma virtual (e como há) abundam, o whats o tempo todo repleto de mensagens. A vida está exigindo outra organização, outro modo de olhar para ela. 
           E muitos só a veem pela janela.
          A casa, aquela que até então para muitos era apenas passagem ou dormitório, passa agora a ser território que se oferece ao visitante. Tornamo-nos turista de espaço que julgávamos conhecido e vamos descobrindo (ou redescobrindo) nosso próprio canto. Se a vida exigirá de nós outro olhar, nossa casa também se oferece como novidade.
         Como sairemos disso tudo é difícil responder. Uns afirmam que seremos melhores; mais cuidadosos com o outro, capazes de ressignificarmos a vida. Não sei. Na verdade, duvido um pouco. Ou muito. Ao ver tantas pessoas desrespeitando o isolamento, tanta gente sem máscaras nas ruas, uma multidão a não cuidar o afastamento social, me torno Tomé. E aí parece ecoar aquela frase clichê de que a humanidade não deu certo. 
           Não desejaria o pessimismo, mas uma tristeza enorme me toma ao olhar para o Brasil, ao olhar para os rumos que a política tomou ao eleger pessoas desqualificadas não só para a vida social, como para ditar os caminhos para uma Nação. 

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Palavras 43: Semente


SEMENTE: Grávida de possibilidades, 
em si a origem e o fim. 
Mãe do fruto e filha dele.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Literatura Isolada 1

            Neste tempo não tempo, neste tempo de necessário isolamento social (embora certo presidente, certos ministros neguem o óbvio), inspirados em minhas Definições Poéticas, os participantes da Oficina de Escrita Criativa, que ministro no SintrajufeRS, produziu os cards do Projeto @literaturaisolada. (siga-nos no Instagram)
         A ideia é apresentar definições para palavras que, em nossa percepção, se relacionam com este momento denso e tenso, no qual a Arte tem sido companhia lenitiva. Assim, partilharei aqui os olhares subjetivos dos escritores que participam da oficina e que mergulharam poeticamente na construção de seus verbetes. A concepção visual é de Henrique Luzzardi
Seguem as definições de Rachel Pires e de Thiago Prusokowski.


terça-feira, 12 de maio de 2020

Um texto pensando nas mulheres que sonharam maternidades


Um tempo


Houve um tempo em que você sonhou.
Talvez você não lembre o primeiro momento deste sonho, talvez ele venha de um tempo em que a fantasia ainda era presença em sua vida quase que totalmente.
Talvez você ainda fosse menina, quem sabe uma adolescente meio em dúvida entre ser princesa ou ser guerreira (ou ambas), talvez já mulher madura, quando sentiu latejar em si o desejo de ser mais, o desejo de maternar.
Ser mãe é sonho, antes de ser realização do exercício da maternidade.
Ser mãe é sonho, antes que os olhos se lancem ao encontro daquele que, a partir do primeiro encontro, será para sempre um alguém que entrou em sua vida de forma vital, existencial. E para sempre.
Ser mãe é sonho, mas também é opção, é vontade de ser alguém para o outro. Um outro ainda desconhecido, um outro que aguarda o momento de ser filho, de ser filha, de ser abraço, de ser carinho, de ser alguém sedento por histórias, alguém que vê aquela mulher que se dobra sobre seu berço como parte. E para sempre.
Ser mãe é sonho, mas também é compromisso. Nada mais de noites brancas, mergulhada em preocupações que não as suas. Se criança, a preocupação se ele ou ela dorme bem. Se os filhos já dando os passos da independência, a preocupação se farão as escolhas mais adequadas na busca de serem felizes.
Ser mãe é, pois, tornar-se quebra-cabeça que depende da felicidade do outro pedaço para se sentir completa.
Mãe é um desejo que se torna condição, que se torna compromisso, que se torna festa cada vez que seu filho, que sua filha, conquista o desejo de sonhar também.
Feliz da mãe que consegue ser isto: alguém que se constrói e se reconstrói no sonho de fazer nascer mais sonhos.
E se houve um tempo de sonhar, se houve tempo de criar. Hoje, é tempo de celebrar a mãe que você desejou ser.

terça-feira, 5 de maio de 2020

É difícil crer

É difícil crer que estejamos vivendo em tempos de vírus que nos obriga ao isolamento, a fim de que a vida possa seguir sendo, e um representante eleito conclame que as pessoas saiam às ruas. E que, como ele, saiam desprotegidas, sem máscaras. E que estendam as mãos e que se cumprimentem e que, se tiverem que tossir, que não busquem proteção qualquer.

É difícil crer que, enquanto se dedicam de corpo e alma a atender pessoas contaminadas pelo vírus, pessoas que se debatem entre vida e morte, sejam agredidos, profissionais da saúde sejam atacados em sua integridade, e que neste momento um representante eleito não se solidarize. Ao contrário: instigue mais e mais violência.

É difícil crer que que a doença esteja lá fora, não escolhendo pobres ou ricos (embora estes tenham muitos meios para enfrentá-la de igual para igual), um representante eleito reúna pessoas em torno de si, e as abrace, e destile seu veneno, menosprezando as consequências da pandemia para o país, o qual jurou defender.

É difícil crer que, enquanto a Ciência defenda o isolamento social, um representante eleito menospreze pesquisas científicas, menospreze ações tomadas pela grande maioria dos líderes mundiais, que trate uma pandemia como se ela fosse uma gripe vulgar, boba.

É difícil crer que um representante eleito não só se exponha, mas carregue pela mão uma menina inocente de nove anos, sua filha. 

Espero que as posturas deste representante eleito, eleito possivelmente por pessoas como ele, não sejam vistas como irresponsáveis. Mas que ele, em um tempo de justiça e de decência, seja responsável por tudo o que fez e também pelo que deixou de fazer.