quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Palavras 36

GUARDA-CHUVA - Guardo em mim todas as chuvas, os ventos, as tempestades. E a bonança. Guardo em úmida pele os tantos pingos colhidos pelos caminhos pelos quais ainda andarei.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Escrita: vivido e sonho

Escrever tem sempre seu tanto de trabalho. Trabalho bom na busca da melhor forma de dar conta, através das palavras, das imagens que habitam em mim. Algumas sempre tatuagens na alma, na mente; imagens que se somam ao homem que hoje sou. Outras são só sonho, fantasia, imaginação; imagens que dão conta daquilo que não fui. E deste encontro entre o vivido e o sonhado é que a minha escrita se faz.   (Caio Riter)

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

São José

 
Sobre a igreja, um céu limpo, apesar do frio invernal, as árvores sem nada de folhas, encontro meu com o cinza de Cambará. Bom ser lembrança disso nestes dias de tanto calor.

Noite

 
A noite come o dia. Ato sempre antropofágico: o um no outro. A dor do vermelho, penetração.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Palavras 35

LIMITE: Um ponto final em uma história é sempre fim. Mas um fim repleto de possibilidades outras. Afinal, toda narrativa é refazer-se contínuo.
Um ponto final nem sempre pressupõe limite. Um tanto de aceno de adeus, outro tanto de acolhida àquilo que se foi.
Escrever e reescrever a vida, que nem sempre vida é, mas é.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Caio Leitor 21 - A pau e corda: a crônica no divã

A pau e corda: a crônica no divã
Caio Riter
 
Não sou cronista.
Minto. Tal afirmação parece categórica em demasia. É que a crônica não é algo natural em mim. Não é algo que nasça do desejo de cronicar. Vez ou outra, bissextamente, cronico. Logo, não sou um cronista crônico.
Mas sou exigente.
Creio que a crônica exige mais do que muita gente, dita cronista e, portanto, escritora, tem feito diariamente nos jornais e revistas que circulam pelo país. A crônica exige arte. A arte de saber perceber o tolo, o frugal, o cotidiano, de uma forma enviesada. Lançar aquele olhar sobre o óbvio, dizendo o óbvio, mas sem apelar para obviedades. Simples. Aparentemente sim. Só aparentemente.
Assim, quando me deparo com um bom cronista ¾ algo singular nesta época de imediatismo, em que tudo deve ser palatável, em que tudo tem de ser rápido, em que tudo não pode exigir demais do leitor ¾, sou mergulho em suas palavras e viro desejo de mais e mais leitura. Fico querendo ler o óbvio, aquilo que estava ali, bem diante do meu nariz, e que eu não era capaz de ver. Ou melhor, via sem ver. O bom cronista, portanto, possibilita olhares, aguça as verdades, revela o mascarado, mostra o não visto. E faz isso, sabedor de que as palavras são sua matéria-prima e de que faz literatura, não apenas um produto que se curva às leis do mercado.
Mas, afinal, por que esse papo todo sobre a crônica e sua arte? Ora, porque, ao penetrar nas páginas do livro A pau e corda (Editora Proa), do autor Rônei Rocha, encontrei o procurado. Seus textos estão recheados de verdade. Uma verdade que pulsa, mas que não abre mão do humor e da reflexão. Há em suas crônicas aquele olhar de viés, tão necessário ao cronista. Há um tanto de vida pulsante nos recortes do cotidiano que o cronista pinça (ou que lhe caem nas mãos, ou que entram porta a dentro de seu consultório, ou que tropeçam à sua frente pelas ruas e praças da cidade) e transforma em literatura. Uma literatura, todavia, que não se pretende imediata: Rônei sabe que escrever é inscrever-se no tempo, não apenas tecer comentário datado, não apenas servir de leitura no tênue e rápido momento em que se abre um jornal.
O universo do consultório, vertido numa ótica irônica, em que o lugar-comum é revirado pelo avesso (adorei ler que existem pessoas saudáveis e que nem todo mundo necessita de terapia, por exemplo) se faz presença. Afinal, se um divã ou uma poltrona com certeza suscitam material rico ao médico (sim, eu não havia dito ainda, Rônei é psiquiatra), imagina ao cronista? Todavia, o próprio escritor acaba por se analisar ¾ como na divertida crônica Harley Roneidson ou na sensível Lola e eu ¾ e também por dissecar as ações e desejos daqueles que o cercam: a tal sociedade com seus pensares e agires.
E o leitor mergulha nestas breves reflexões sempre com desejo de quero mais, desdizendo o título do livro, visto que não há necessidade de paus nem de cordas, não há sacrifício algum, apenas o deleite que, é bem verdade, leva à reflexão: olhos se abrem para perceber o que estava o tempo todo ali e que Rônei Rocha sabe revelar. Prazer e reflexão, eis, segundo o poeta-filósofo Horácio, as funções da boa literatura.

De caso com a palavra

No dia 19 de abril, estarei participando do projeto De caso com a Palavras, promovido pela Secretaria de Cultura do Paraná e coordenado pela escritora Cleo Busatto. Momento rico de troca sobre os afetos e os efeitos da literatura, da leitura, em minha vida. Muitos autores e contadores de histórias serão partilha. Gostei demais do tema: afetos e efeitos. Creio que a leitura opera mesmo assim na gente: a partir de gostares (os afetos) e a partir do que acrescenta em nós. Afinal, creio que jamais deixamos de acumular saberes, experiências, sentimentos, após lermos um bom texto literário.

Abaixo o link para quem quiser saber mais sobre:
http://www.cultura.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1181

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Outras palavras 28: Ray Bradbury

...se você está escrevendo sem entusiasmo, sem prazer, sem amor, sem alegria, você é apenas meio autor. Significa que está tão preocupado em manter um olho no mercado, ou um ouvido no círculo de escritores de vanguarda, que não está sendo você mesmo. (...) Sem esse vigor, seria melhor ele colher pêssegos ou cavar buracos...

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Caio Leitor 20: Por uma literatura sem sangue de barata

Por uma literatura sem sangue de barata
Caio Riter
 
A escrita para crianças ainda hoje carrega consigo o rótulo de literatura menor, como se os pequenos leitores fossem menos exigentes e, por isso, os textos destinado à infância pudessem exigir pouco. Torto engano (talvez todos os enganos sejam mesmo tortos). Escrever para crianças exige muito mais do seu autor. Exige que ele, além de tematizar algo, tenha que dar asas à arquitetura textual e a linguagem, a fim de que ele possa encantar o exigente coração infantil. Exige também que ele fuja no lugar-comum (presente na origem da LIJ) do didatismo, ou do paradidatismo. Nenhuma literatura que se arvore a ser vista como tal ensina algo abertamente. Mas, sim, forma. Logo, a literatura infantil pede autores conscientes de seu papel formativo, mas também autores que estejam em sintonia com seu público, propondo uma escrita que propicie prazer, mas que também tenha algo a ofertar, algo que vá além de um deleite que seja mero passatempo.
A literatura infantil não é anódina, não é indolor, não é incolor, não fuga do real. Todos os elementos que dão cor, que fornecem dor, que problematizam a vida estão presentes na boa literatura para crianças, assim como são parte da boa literatura para gente grande. Logo, se há uma má escrita para adultos, aquela que não dispensa a plurissignificação, que aponta apenas para uma leitura, o mesmo pode ocorrer com a feita para crianças. A boa, a grande literatura não possui sangue de barata. Ela incomoda, ela se sente comprometida, ela interfere, muda, transforma.
Pois Christian David ousou tornar a literatura para crianças um Sangue de barata, livro editado pela Editora Paulinas, mas que não traz em si o marasmo do que tal expressão suscita. Não há sangue frio, não há covardia, não há marasmo. Através da história de Barnabé, que dialoga intertextualmente com a obra máxima de Kafka, o autor fala da necessidade de saber-se parte do todo. Afinal, acordar virado inseto asqueroso, debaixo da cama, é algo que compromete, que desacomoda, que faz com que o garoto repense a vida e faça suas aprendizagens. Barnabé é menino comum que experimentará uma situação singular. No corpo de algo abjeto, ele sentirá a vida pulsar de outra forma e estenderá olhar distinto para o fora de si. E a opção por uma prosa poética propõe deleite com as palavras, sem abrir mão da necessária reflexão que a boa literatura promove.
Sangue de barata é uma história de aprendizagem que encantará os pequenos. Mas, com certeza, não apenas a eles. Afinal, conforme apregoava Orígenes Lessa, a boa literatura infantil é aquele que é lida com prazer pelos adultos também. São textos que contribuem com a desterritorialização do leitor que contribuem para o amadurecimento da crítica em relação à escrita para a infância. E Christian David faz isso.

 

 

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Torres de Gramado e Canela

Na serra, um tanto de torres templárias fura copas de árvores, altos de prédios, dias cinza. Muitos tempos, igrejas, cujas torres vão apontando numa curva de esquina, num passeio turístico. Algumas imagens novas no olhar do viajantes; outras já no tanto de conhecido nas várias e várias andanças por cidades belas como Gramado e Canela.
 
Catedral de Pedra de Canela
 
Igreja evangélica São João - Canela
 
Igreja Matriz de Gramado
 
Igreja Metodista de Gramado
 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Outra confissão

Confesso: dificilmente fico um dia sem entrar no facebook. 
Mas, eu não uso o face para jogar. Sei que tem gente que ocupa (ou gasta) seu tempo se divertindo através dos tantos jogos disponíveis. Eu não. Uso  o face para postar ideias, para trocar ideias, para contestar ideias. Uso-o para reencontrar amigos, para fazer amigos, para homenagear amigos. Uso-o também para dizer como me sinto, para divulgar o que sinto, para saber como meus amigos se sentem. Uso-o para falar de livros, para saber de lançamentos de livros, para indicar livros. Enfim, as finalidades muitas. Todavia, jogar não jogo. E, também, não suporto aquelas mensagens prontinhas que nada contribuem comigo.
E como tem gente que gosta.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Caio Leitor 19: Mordidas delicadas: a poesia de Everton Behenck


Mordidas delicadas: a poesia de Everton Behenck

Caio Riter

            É comum em rodas de bate-papo literário falar-se sobre o porquê de tão poucos livros de poesia serem publicados (aliás, conheço vários poetas ¾ e bons! ¾ que reclamam de terem originais disponíveis e de receberem “nãos” em relação à publicação). A resposta, sempre a mesma: poesia não vende. Porém, o questionamento, agora sim, se defronta com realidades preocupantes. Se a máxima é verdadeira, significa que existem poucos leitores de poesia, afinal na escola (e eu sou exemplo disso) nunca se ensina o deleite estético que a linguagem cifrada da poesia, com sua plurissignificação pode suscitar. E, na faculdade, jamais fui instado, motivado a ler um livro de poesia. Lia livros de contos, romances, novelas. Todavia, quando a leitura era de poesia, o professor fazia um polígrafo e deixava disponível na reprografia. Aí, líamos pedaços de livros, poemas esparsos, sem conversa intertextual com os demais poemas que figuram no mesmo livro do qual foram amputados. Assim, o ciclo se torna vicioso: se eu não aprendo a ler poesia, como posso ser um consumidor, um apreciador de poesia?
            Outro problema que me preocupa, sobremaneira, é o tanto de escritores-poetas que temos por aí. Me pergunto se a maioria deles lê poesia. E, quando me deparo com algumas produções, quer na rede ou no papel, percebo que muitos autores carecem da maior qualidade de um poeta: ler seus pares, apreciar a poesia dos mestres e dos seus contemporâneos. Nota-se, pois, que muitos poemas estão vazios de poeticidade. Muitos poemas não conseguem ultrapassar a experiência particular do autor; o eu lírico não é outro senão aquele que expressa o sentir do próprio escrevente. E isso, a meu ver, é mal. Isso descarta a possibilidade de poesia presente naqueles versos que servem mais como biografia do que como literatura.
            O bom poeta, o poeta maior, recolhe de sua experiência (e, creio, das experiências dos que o cercam) momentos de sensibilidade. Porém, o eu se transfigura. Não é mais o eu que vivenciou o fato, o ato, o sentimento. Não, já é outro. Um outro que finge tal sofrimento, como já apregoou Pessoa, fazendo desse fingimento um fingir tão fingido que não é mais apenas a sua dor presente no poema, mas a dor da humanidade, a dor do altero, a minha dor também.
            Everton Behenck é poeta. Dos bons. E conheci sua poesia, quando andava peneirando poeta na internet. Cheguei ao seu blog e pincei um dos seus tantos poemas para divulgar em meu blog, num marcador a que eu chamava de Gente Nova. Nunca conversei com o Everton; nunca trocamos ideias sobre o poetar, sobre a delicadeza profunda de seu poetar. Mas ele sempre foi encantamento para mim. Há um simplicidade de difícil construção na percepção de temas existenciais. O simples, já disse Edilberto Coutinho, é mais complicado de se obter.
            O eu lírico de os dentes da delicadeza (Não Editora, 2010) ¾ assim mesmo, em minúsculas ¾ mergulha em subjetividades. Há espaço para discutir o poetar, como no poema de abertura (aliás, os poemas não têm títulos), para a morte, para o amor, para a infância, para o encontro e também para o desencontro. O poeta, no entanto, está consciente do trabalho literário. Sabe que as palavras não se entregam, sabe que elas têm de ser cortejadas, subjugadas, a fim de que possam expor a carnadura do viver, não apenas a pele exposta e visível aos medíocres.

Nenhuma palavra
É dita assim fácil

É preciso
Arrancá-la da pele

Tirar o sangue
Do medo

Ninguém escreve uma palavra
Assim fácil.

E o poeta morde. Sua mordida, embora delicada, é, muitas vezes, dolorida. Os versos são breves, a dicção entrecortada, tudo a dar conta de uma percepção um tanto fragmentada do existir. Situações comuns, talvez vividas por mim, por você que me lê; talvez apenas possibilidades para aquele que respira, mas que espera da vida bem mais. A dor do existir está ali, mas também se faz presente a fluidez da vida, assim como a necessidade de reumanizarmos o humano, embora o poeta seja sabedor de sua pouca sabedoria. O segredo, talvez, esteja mesmo no próprio viver.

                        Não sei do amor
                        Nem sei da carne

                        Mais do que qualquer outro bicho
                        sabe

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Outras palavras 27 - Edilberto Coutinho

"Reescrevo muito. As modificações, em geral, visando à maior clareza, maior eficácia literária. Essa luta com a expressão, da qual raramente se sai vencedor. (...) Repudio o rebuscamento formal mas, ao mesmo tempo, exijo do trabalho literário que seja bem elaborado. É mais fácil escrever "complicado". A simplicidade é difícil, muito difícil."

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Caio Leitor 18: O man e o brother

 
O man e o brother: contos de dor e de prazer
 Caio Riter
A literatura para jovens, creio, tem seguido algumas estradas distintas. Todas, é certo, pretendem ir ao encontro de juvenis corações. Todavia, o que cada uma delas acrescentará ao coração do viajante que enveredar pelos caminhos da fantasia que a leitura propõe já é outra discussão.
Ao se observar o catálogo das melhores editoras brasileiras e, também, as listas de indicações escolares, percebe-se que há livros para todos os gostos: aventura, mistério, intimismo, fantástico. Existem livros que fazem pacto com a adrenalina: histórias repletas de peripécias de tirar o fôlego puxam o jovem para dentro do texto e só o devolvem, quando a aventura acaba, o mal é vencido, a harmonia retorna. Outros livros enveredam pelo universo interior do adolescente, dissecando problemáticas existenciais: o amor, o conflito com os pais, situações de perda (morte, separação), a primeira transa, a primeira menstruação. Enfim, todo o universo de situações que fazem parte do amadurecimento e que estão sempre pulsando no coração de quem é jovem (talvez não apenas nos corações juvenis).
O fato é que, hoje, a literatura juvenil apresenta-se rica em nuances. Oferta histórias muitas, oferece caminhos diferentes e ricos no incentivo à imaginação, à fantasia e, também, ao olhar sobre si mesmo, na busca de entendimento do mundo que nos cerca.
Assim, foi com prazer (e também com um tanto de dor) que enveredei pelos recortes de uma juventude meio perdida, meio sem perspectivas, que Dilan Camargo, em seu livro de estreia na narrativa juvenil O man e o brother (Editora 8Inverso) oferece. São dez contos, dez histórias curtas, em que os protagonistas, todos jovens desfavorecidos socialmente, vivem situações-limite. Suas dores são expostas sem piedade, todavia são filtradas pela criação de uma linguagem artisticamente elaborada, em que se percebe o cuidado do autor em fazer de seus breves contos retratos pungentes do viver, sem, contudo, abrir mão de fazer arte, de produzir literatura. Desta forma, os leitores não só se depararão com a dor dos personagens, como poderão se deleitar com o estilo da linguagem.
Em As filhas do pedreiro, o leitor é colocado diante do sofrimento de um pai diante da perda da filha. É no concreto armado em que ela perdeu a vida que ele irá fixar a cruz que lembrará sua maior dor. Já em Pela ciclovia, Dilan estabelece uma relação intertextual com a Bíblia, ao narrar a via crucis de um garoto que roubou uma bicicleta. Todavia, diante da ordem da mãe, uma mulher cheia de princípios, ele mesmo deverá carregar a bicicleta nas costas até a delegacia, a fim de devolvê-la. Esses apenas exemplos do universo que o autor arquiteta: personagens marginais ou marginalizados, cada um com a sua dor, cada um experimentando aprendizagens que, caso não os façam amadurecer, no mínimo, os farão ver o mundo sob outros olhares. Algo que, com certeza, o leitor, após a leitura destes pungentes contos, fará também. Afinal, não é gratuita a citação inicial da Canção do Tamoio, de Gonçalves Dias, cujos versos afiançam que o choro não adianta, visto que “a vida é luta renhida: viver é lutar”.