Caio Riter
A literatura infantil
não é anódina, não é indolor, não é incolor, não fuga do real. Todos os
elementos que dão cor, que fornecem dor, que problematizam a vida estão
presentes na boa literatura para crianças, assim como são parte da boa
literatura para gente grande. Logo, se há uma má escrita para adultos, aquela
que não dispensa a plurissignificação, que aponta apenas para uma leitura, o
mesmo pode ocorrer com a feita para crianças. A boa, a grande literatura não
possui sangue de barata. Ela incomoda, ela se sente comprometida, ela
interfere, muda, transforma.
Pois Christian David
ousou tornar a literatura para crianças um Sangue
de barata, livro editado pela Editora Paulinas, mas que não traz em si o
marasmo do que tal expressão suscita. Não há sangue frio, não há covardia, não
há marasmo. Através da história de Barnabé, que dialoga intertextualmente com a
obra máxima de Kafka, o autor fala da necessidade de saber-se parte do todo. Afinal,
acordar virado inseto asqueroso, debaixo da cama, é algo que compromete, que
desacomoda, que faz com que o garoto repense a vida e faça suas aprendizagens. Barnabé
é menino comum que experimentará uma situação singular. No corpo de algo
abjeto, ele sentirá a vida pulsar de outra forma e estenderá olhar distinto
para o fora de si. E a opção por uma prosa poética propõe deleite com as
palavras, sem abrir mão da necessária reflexão que a boa literatura promove.
Sangue de barata é uma história de aprendizagem que
encantará os pequenos. Mas, com certeza, não apenas a eles. Afinal, conforme
apregoava Orígenes Lessa, a boa literatura infantil é aquele que é lida com
prazer pelos adultos também. São textos que contribuem com a desterritorialização
do leitor que contribuem para o amadurecimento da crítica em relação à escrita
para a infância. E Christian David faz isso.
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