terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Caio Leitor 19: Mordidas delicadas: a poesia de Everton Behenck


Mordidas delicadas: a poesia de Everton Behenck

Caio Riter

            É comum em rodas de bate-papo literário falar-se sobre o porquê de tão poucos livros de poesia serem publicados (aliás, conheço vários poetas ¾ e bons! ¾ que reclamam de terem originais disponíveis e de receberem “nãos” em relação à publicação). A resposta, sempre a mesma: poesia não vende. Porém, o questionamento, agora sim, se defronta com realidades preocupantes. Se a máxima é verdadeira, significa que existem poucos leitores de poesia, afinal na escola (e eu sou exemplo disso) nunca se ensina o deleite estético que a linguagem cifrada da poesia, com sua plurissignificação pode suscitar. E, na faculdade, jamais fui instado, motivado a ler um livro de poesia. Lia livros de contos, romances, novelas. Todavia, quando a leitura era de poesia, o professor fazia um polígrafo e deixava disponível na reprografia. Aí, líamos pedaços de livros, poemas esparsos, sem conversa intertextual com os demais poemas que figuram no mesmo livro do qual foram amputados. Assim, o ciclo se torna vicioso: se eu não aprendo a ler poesia, como posso ser um consumidor, um apreciador de poesia?
            Outro problema que me preocupa, sobremaneira, é o tanto de escritores-poetas que temos por aí. Me pergunto se a maioria deles lê poesia. E, quando me deparo com algumas produções, quer na rede ou no papel, percebo que muitos autores carecem da maior qualidade de um poeta: ler seus pares, apreciar a poesia dos mestres e dos seus contemporâneos. Nota-se, pois, que muitos poemas estão vazios de poeticidade. Muitos poemas não conseguem ultrapassar a experiência particular do autor; o eu lírico não é outro senão aquele que expressa o sentir do próprio escrevente. E isso, a meu ver, é mal. Isso descarta a possibilidade de poesia presente naqueles versos que servem mais como biografia do que como literatura.
            O bom poeta, o poeta maior, recolhe de sua experiência (e, creio, das experiências dos que o cercam) momentos de sensibilidade. Porém, o eu se transfigura. Não é mais o eu que vivenciou o fato, o ato, o sentimento. Não, já é outro. Um outro que finge tal sofrimento, como já apregoou Pessoa, fazendo desse fingimento um fingir tão fingido que não é mais apenas a sua dor presente no poema, mas a dor da humanidade, a dor do altero, a minha dor também.
            Everton Behenck é poeta. Dos bons. E conheci sua poesia, quando andava peneirando poeta na internet. Cheguei ao seu blog e pincei um dos seus tantos poemas para divulgar em meu blog, num marcador a que eu chamava de Gente Nova. Nunca conversei com o Everton; nunca trocamos ideias sobre o poetar, sobre a delicadeza profunda de seu poetar. Mas ele sempre foi encantamento para mim. Há um simplicidade de difícil construção na percepção de temas existenciais. O simples, já disse Edilberto Coutinho, é mais complicado de se obter.
            O eu lírico de os dentes da delicadeza (Não Editora, 2010) ¾ assim mesmo, em minúsculas ¾ mergulha em subjetividades. Há espaço para discutir o poetar, como no poema de abertura (aliás, os poemas não têm títulos), para a morte, para o amor, para a infância, para o encontro e também para o desencontro. O poeta, no entanto, está consciente do trabalho literário. Sabe que as palavras não se entregam, sabe que elas têm de ser cortejadas, subjugadas, a fim de que possam expor a carnadura do viver, não apenas a pele exposta e visível aos medíocres.

Nenhuma palavra
É dita assim fácil

É preciso
Arrancá-la da pele

Tirar o sangue
Do medo

Ninguém escreve uma palavra
Assim fácil.

E o poeta morde. Sua mordida, embora delicada, é, muitas vezes, dolorida. Os versos são breves, a dicção entrecortada, tudo a dar conta de uma percepção um tanto fragmentada do existir. Situações comuns, talvez vividas por mim, por você que me lê; talvez apenas possibilidades para aquele que respira, mas que espera da vida bem mais. A dor do existir está ali, mas também se faz presente a fluidez da vida, assim como a necessidade de reumanizarmos o humano, embora o poeta seja sabedor de sua pouca sabedoria. O segredo, talvez, esteja mesmo no próprio viver.

                        Não sei do amor
                        Nem sei da carne

                        Mais do que qualquer outro bicho
                        sabe

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