sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Palavras 6

INFÂNCIA - Um rosto de olhos tristes me fita, preso nos limites da fotografia. Território difícil de retorno em seu tanto de verdade e emoção. Queria poder ser toque neste Caio-menino, que não existe mais. Queria poder ser palavra estendida entre mim e o outro que um dia eu fui.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Confraria: Literatura das boas.

Os encontros da REINAÇÕES tem se caracterizado pela troca de idéias sobre a literatura feita especialmente para crianças e adolescentes. E isso se faz cada vez mais necessário, ao se pensar que, geralmente, é através deste universo de textos (que não deixa nada a dever a tal nominada literatura adulta, que, aliás, não recebe nenhum rótulo ou adjunto adnominal, além do ser boa ou ruim) que a grande maioria das pessoas se torna leitor. Assim, creio, está mais do que na hora de passarmos a ver a literatura infantil ou juvenil como Literatura, assim mesmo, com L maiúsculo, como resultado estético-artístico que, além de levar ao deleite, à reflexão e à transformação, também tem papel fundamental e fundante na formação dos leitores atuais e futuros.
No dia 21 de fevereiro, os confrades se reuniram pra discutir o clássico O mágico de Oz, escrito por Frank Baum, em 1900. Nele, a encantadora Dorothy, vítima de um tornado, junto com seu cãozinho Totó, realiza um périplo, acompanhada por fantásticos amigos: o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão Medroso. Cada um deles em busca de um objetivo para sua vida. Animados pela coragem da menina, os leitores são presenteados por um texto leve, belo, que propõe reflexões filosóficas sobre o estar no mundo. Literatura de primeira. Sem necessidade de qualquer rótulo. Literatura viva, presente até hoje no imaginário universal. Literatura que merece ser lida, independente de faixa etária.

Na foto, os confrades reunidos.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Palavras 5


MAR - Águas marinhas são sempre desejo de partida, quer do peixe, quer do grão de areia, quer daquele que lança íris para além. Quer do próprio mar.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Caio leitor 2: Um menino no buraco

O menino que caiu no buraco, de Ivan Jaff, (Edições SM, 2004) é um texto que foge daquelas soluções fáceis a que estamos acostumados quando nos deparamos com um livro infanto-juvenil cujo título aponta para uma trama de aventura. Todavia, a história dispensa mistérios, segredos, aventuras perigosas. O maior perigo encontra-se no próprio mergulho, ao acaso, no buraco. E mergulhar naquele buraco perdido e disfarçado no meio de um campo que não promete riscos é metáfora da adolescência, tanto que o autor opta por não nominar seu personagem, chamando-o apenas de menino, o que contribui para a universalização da narrativa.
Adolescer é adoecer, é buscar possibilidade de compreensão de si mesmo, é conflituar-se. Isto é o que ocorre na aventura do menino no interior do buraco. Buraco quase poço, com poucas possibilidades de libertação, sem espaço sequer para que o corpo possa descansar de forma cômoda, sem chance de que um grito possa atrair salvação. O menino está no interior da terra, sofre, machuca-se em sua luta para atingir a abertura do buraco, por onde observa o tempo passar, o sol se pôr, a noite vir. Precisa enfrentar seus medos e descobrir, sozinho, uma forma de voltar à tona, de emergir da própria terra, como se tivesse de realizar um novo parto. Terra, ventre original.
E, utilizando apenas o material de que dispõe, o menino escalará as paredes do buraco, não sem antes machucar-se, não sem antes repensar a relação paterna. Estar no buraco é ocasião para amadurecimento. Assim, ao sair, vai ao encontro do pai e consegue estabelecer nova relação
.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Caio e os escritores 2: Assis Brasil

Conheci o Assis Brasil através da leitura de seus romances, antes de ter o prazer de conviver com ele nas atividades da Oficina Literária da PUC. Narrativas fortes, contundentes. Carreira que venho acompanhando desde que Cães da Província, primeiro livro lido, quando eu ainda cursava Jornalismo, me tomou por completo. Livro bom é assim, aquele que nos envolve de tal forma que não podemos abandoná-lo antes do ponto final, que, de fato, não finaliza. Livro bom ecoa no dentro da gente. E a obra desse amigo e mestre tem feito isso comigo: seus personagens tornam-se presença constante. Lembro que com As virtudes da casa foi assim: a história de Isabel, Jacinto e Micaela, vista sob diversos ângulos, me fez ser desejo de mais leitura. Tanto que, durante atividades do mestrado, escrevi o artigo Uma casa sem virtudes: a desmitificação do gaúcho em Luiz Antonio de Assis Brasil, publicado na Ciência & Letras 28 (2000, FAPA), em que analiso o processo de desconstrução da figura mítica do gaúcho que Assis problematiza neste romance, que, para mim, junto com Música Perdida, são dois marcos na literatura produzida por Assis.
O Assis é um gentleman. Pessoa incapaz de palavras indelicadas. Já fui seu leitor (e ainda o sou), oficinando (trago muitos de seus conselhos presos aos ouvidos até hoje) e correspondente (trocamos durante certo tempo cartas, em que discutimos o processo de criação: dúvidas, anseios, caminhos). Na época, Assis produzia sua série Um castelo no Pampa. Eu sedento de aprendizagem e, ousado, arriscando um ou outro palpite, sendo, ainda, depois de escritor publicado, entrevistado por este querido amigo em seu programa Letras Nossas (Canal 15, UNITV).
A palavra certeira, o sentimento na medida exata, os personagens dotados de verdade e de universalidade renderam a Assis Brasil diferentes (e respeitáveis) prêmios. Dentre eles, destacam-se Prêmio Erico Veríssimo, Prêmio Jabuti e o Portugal Telecom.
Abaixo, segue fragmento de seu romance Música Perdida (L&PM, 2006):

Precisaria de outra existência, uma nova existência, para repor tudo como antes, quando Bento Arruda Bulcão era alguém interessado nele, Joaquim José, em seu futuro, na sua arte, aquele homem que teria tantas coisas importantes para fazer na vida para além de preocupar-se com jovens desmiolados.
Caminhou até a exaustão, andou por vielas, até que se viu em frente à estalagem. Ficou mais dois dias em Vila Rica, num pânico branco, sem comer, nem beber, nem dormir.
O suicídio é a forma mais cruel de permanecer dentre os vivos. (p.143)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Palavras 4


EXCLAMAÇÃO - Não gosto de frases exclamativas. Não me agradam os textos que gritam. Os silêncios sempre falam mais.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Encontro com Eduarda

2007 foi ano legal. Não só pelas publicações, mas, sobretudo, pelo tanto de convites que recebi para participar de encontros com leitores, quer em escolas, quer em feiras de livro (E quantas há espalhadas por esse Rio Grande em que a leitura tem espaço de destaque e o autor é valorizado!). Muitos foram os quilômetros rodados, muitos os debates, as trocas de idéias, as emoções trocadas entre o que escreve e os que lêem, intermediadas, na maioria das vezes, por professores lúcidos e sensíveis (Ah, como a Literatura carece de mestres!). Mas emoção maior sempre se dá quando ocorre encontro vivo entre autor e personagem. E foi o que aconteceu na cidade de Montenegro, em agosto: uma professora me chama, eu me volto e me dou de cara com a Eduarda, protagonista de Eduarda na barriga do Dragão (Artes e Ofícios, 2006). A menina que a personificava, abraçada em suas duas bonecas — a Zoé e a Letícia — tinha olhos de brilho carinhoso. Ela, a Eduarda real, também encantada em poder ser a Eduarda de papel. (Foto: Cristiane Tain)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Sobre heróis e cães

Heróis são seres especiais. E necessários. Gosto destes seres fantásticos que, com seus poderes, lutam contra o mal, buscando salvar o mundo e instituir um novo universo de relações. Todavia, por vezes, o mal contra o qual eles lutam é o mesmo que os habita, que os atormenta. Alguns super-heróis são assim. Não possuem aquela retidão de caráter que, geralmente, se espera nesses homens e mulheres “da lei”. São retos e, ao mesmo tempo, impetuosos; justos e vingativos; duplos. E essa ambigüidade é que os torna mais e mais sedutores.
É o que ocorre com o Homem Morcego, cujo heroísmo nasce de uma tragédia familiar e faz com que sua alma seja atormentada, ou com Wolverine, cuja gênese, narrada na série Origem, começa a ganhar uma versão cinematográfica. Após a trilogia X-men, Hugh Jackman volta a assumir a personalidade do homem das garras de aço, agora num filme solo.
Rodado na Nova Zelândia e na Austrália, a trama de Wolverine, dirigida por Gavin Hood, deve estrear em 2009. David Benioff assina o roteiro da trama, que vai mostrar o passado de Logan (nome verdadeiro do personagem), seu relacionamento com Victor Creed (mais conhecido como Dentes-de-Sabre) e o encontro com outros mutantes do universo do grupo de heróis da Marvel. Entre as inspirações para o roteiro, estão a minissérie em HQ Origem, de Paul Jenkins, que acompanha o herói desde sua infância, e Arma X, de Barry Windsor-Smith, em que se conhece o experimento do qual Wolverine foi cobaia e lhe rendeu o esqueleto e as garras de Adamantium.


Tanto Batman quanto Wolverine fazem parte, também, do meu universo de personagens. E, coincidentemente, os dois são cães: Wolverine é o beagle de Alexandre, o protagonista de O tempo das surpresas (Edições SM, 2007). O livro narra diferentes tempos da vida de Alexandre durante a noite anterior a um transplante de medula que ele fará, a fim de tentar vencer a leucemia. É com Wolverine que Alexandre experienciará pela primeira vez uma situação de morte. Batman é o cachorro de Felipe, um garoto que recebe do pai uma surpresa que julga bastante desagradável. No ambiente familiar, que passa a parecer-lhe inóspito, é no cão que Lipe encontra o apoio necessário para vencer as dificuldades.
Se gosto de heróis, gosto também de personagens caninos. Creio que eles são uma espécie de extensão da personalidade de seus donos.








quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Palavras 3


POESIA - Fazer-se poema é transfigurar o individual na fosforescência do todo, e aquilo que se foi, na metamorfose em palavra lírica, perde-se na possibilidade de o eu tornar-se o outro, um qualquer e/ou todos. E pensar que tantos se julgam poetas, mas são incapazes de fingirem-se.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Caio e os escritores: Lygia


Foi em 1999, na Feira do Livro de Porto Alegre, que encontrei e conversei pela primeira vez com aquela que considero a dama da literatura brasileira: Lygia Fagundes Telles. Autora de contos, crônicas e alguns romances, Lygia, com certeza, é uma das maiores vozes em atividade na Literatura Brasileira. Seus romances Ciranda de pedra, Verão no aquário, As meninas, As horas nuas, e um livro de contos, Invenção e Memória, foram o corpus de minha tese de doutorado, defendida em 2005, na UFRGS: A dor do passar, a cerimônia ficcional de Lygia Fagundes Telles. Ler, reler, enveredar por seu universo de sonho que aponta pra uma realidade que precisa ser reinventada é sempre surpresa e desacomodamento. Literatura que nos leva à reflexão. É seu um dos contos de que gosto muito pelo tanto de simbologia que contém: Natal na barca.


"Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor era silêncio e treva. E me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca,apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu." In: Venha ver o pôr-do-sol e outro contos, ed. Ática.

10º encontro da REINAÇÕES

A REINAÇÕES tem sido em minha história de escrita e de leitura uma boa surpresa. Ocasião de ler livros ainda não lidos, assim como de voltar a histórias já lidas, podendo comprovar se ainda causam o mesmo efeito, a mesma emoção, ou, ainda, descobrir novidades através dos diversos olhares em torno da mesa na LETRAS & CIA. E cada debate é, além de encontro com páginas literárias, além de mergulho em produções voltadas para crianças e adolescentes (mas que também encanta adultos. Esta a certeza dos aspectos artísticos de um texto: aquele que encanta, sem necessidade de rótulos outros que não, e apenas, o de Arte), também momento de encontro com pessoas apaixonadas pela literatura. E dia 21 de fevereiro, será o 10º Encontro da Reinações. Com coordenação de Carla Laidens, enveredaremos pela estrada de tijolos amarelos, acompanhados de Dorothy e de seus amigos, ao encontro do grande e terrível OZ. Abaixo, o convite.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Caio leitor 1: Reinações de Pollyanna


Em janeiro, no dia 24, os confrades se reuniram mais uma vez. O 9º Encontro da Reinações: confraria da leitura de textos literários para crianças e adolescentes teve como tema o livro de Eleanor Porter, Pollyanna. A singela história da menina órfã que vai morar com sua tia Polly e acaba por transformar a vida de todos os que habitam aquele triste lugar. Após trocar idéias com meus amigos confrades, a menina e seu Jogo do Contente não me saíam da cabeça. Assim, como cerimônia de exorcismo literário, escrevi breves impressões sobre o livro.


Pollyanna: o toque de Midas

Caio Riter

Apesar de escrito em 1912 e, portanto, um texto quase centenário, Pollyanna, de Eleanor Porter, ainda atrai. Talvez pela preocupação da autora em apenas narrar uma história, algo perceptível em algumas demasiadas repetições ou reincidências, estrutura costumeira no contar oral. Quem teve a felicidade de ter em sua infância um adulto contador de histórias a seu lado sabe do que falo. As narrativas orais têm muito de inconstância, de “lacunas”, de repetições que desafiam a atenção do ouvinte. Tal estrutura é perceptível em Pollyanna, possivelmente pelo fato de esta novela juvenil ter sido publicada primeiramente em forma de folhetim, o que resulta numa narrativa com estrutura linear. Os flash-backs, se assim os podemos chamar, se dão, em sua maioria, pela fala das próprias personagens a referirem fatos e acontecimentos que não foram apresentados pelo narrador e que surgem em meio aos diálogos, informando ao leitor alguns hiatos no texto.
Todavia, creio, o livro de Eleanor Porter segue sendo convite, sobretudo, por apresentar uma personagem que acredita na vida, que acredita no sonho, que acredita que é possível ver-se uma situação adversa a partir de um olhar otimista, bondoso, renovador. A jovem protagonista, nesse sentido, apresenta-se como alguém que possui um objetivo de vida: não sofrer. Mas não apenas isso. Não é apenas a ausência da dor individual que Pollyanna busca. Ela quer mais. Pretende “contaminar” a realidade que a cerca, transformando uma cidade cinza, cheia de pessoas carrancudas, num universo de alegria, em que a atmosfera reinante possa ser fonte de alegria. Assim, vai, aos poucos, ensinando a todos que encontra o Jogo do Contente e, embora algumas vezes sofra resistência, sua convicção em ensinar o jogo, faz com que seja capaz de manipular as ações dos outros, a fim de atingir seu objetivo, como pode-se perceber no momento em que leva à Sra. Snow, uma cesta com tudo o que ela podia pedir, visto que a mulher, sempre queria aquilo que não lhe era trazido.






Assim, como o mitológico rei Midas, que ao tocar em seres e objetos os transforma em ouro, a menina traz aos que a cercam uma possibilidade “dourada” de ver o mundo, as pessoas, as situações que enfrentam. No entanto, diferentemente do monarca, que é levado a um final trágico em virtude de seu toque mágico; Pollyanna é conduzida à redenção. A diferença entre os dois, talvez, se resuma aos objetivos que os impelem: o rei quer riqueza, numa perspectiva egoísta, centrada em si; a garota quer ver sua realidade mais amena, mais leve, mais feliz.
Pollyanna encarna, creio, ao mesmo tempo, a inocência e a peraltice tão comuns às crianças e aos adolescentes. Daí sua atualidade, daí ainda sua necessidade de leitura. É preciso, apesar de todas as adversidades que o mundo moderno oferece às gerações futuras, acreditar no sonho, acreditar que a transformação é possível. E, nesse sentido, Pollyanna é convite.