sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Caio leitor 1: Reinações de Pollyanna


Em janeiro, no dia 24, os confrades se reuniram mais uma vez. O 9º Encontro da Reinações: confraria da leitura de textos literários para crianças e adolescentes teve como tema o livro de Eleanor Porter, Pollyanna. A singela história da menina órfã que vai morar com sua tia Polly e acaba por transformar a vida de todos os que habitam aquele triste lugar. Após trocar idéias com meus amigos confrades, a menina e seu Jogo do Contente não me saíam da cabeça. Assim, como cerimônia de exorcismo literário, escrevi breves impressões sobre o livro.


Pollyanna: o toque de Midas

Caio Riter

Apesar de escrito em 1912 e, portanto, um texto quase centenário, Pollyanna, de Eleanor Porter, ainda atrai. Talvez pela preocupação da autora em apenas narrar uma história, algo perceptível em algumas demasiadas repetições ou reincidências, estrutura costumeira no contar oral. Quem teve a felicidade de ter em sua infância um adulto contador de histórias a seu lado sabe do que falo. As narrativas orais têm muito de inconstância, de “lacunas”, de repetições que desafiam a atenção do ouvinte. Tal estrutura é perceptível em Pollyanna, possivelmente pelo fato de esta novela juvenil ter sido publicada primeiramente em forma de folhetim, o que resulta numa narrativa com estrutura linear. Os flash-backs, se assim os podemos chamar, se dão, em sua maioria, pela fala das próprias personagens a referirem fatos e acontecimentos que não foram apresentados pelo narrador e que surgem em meio aos diálogos, informando ao leitor alguns hiatos no texto.
Todavia, creio, o livro de Eleanor Porter segue sendo convite, sobretudo, por apresentar uma personagem que acredita na vida, que acredita no sonho, que acredita que é possível ver-se uma situação adversa a partir de um olhar otimista, bondoso, renovador. A jovem protagonista, nesse sentido, apresenta-se como alguém que possui um objetivo de vida: não sofrer. Mas não apenas isso. Não é apenas a ausência da dor individual que Pollyanna busca. Ela quer mais. Pretende “contaminar” a realidade que a cerca, transformando uma cidade cinza, cheia de pessoas carrancudas, num universo de alegria, em que a atmosfera reinante possa ser fonte de alegria. Assim, vai, aos poucos, ensinando a todos que encontra o Jogo do Contente e, embora algumas vezes sofra resistência, sua convicção em ensinar o jogo, faz com que seja capaz de manipular as ações dos outros, a fim de atingir seu objetivo, como pode-se perceber no momento em que leva à Sra. Snow, uma cesta com tudo o que ela podia pedir, visto que a mulher, sempre queria aquilo que não lhe era trazido.






Assim, como o mitológico rei Midas, que ao tocar em seres e objetos os transforma em ouro, a menina traz aos que a cercam uma possibilidade “dourada” de ver o mundo, as pessoas, as situações que enfrentam. No entanto, diferentemente do monarca, que é levado a um final trágico em virtude de seu toque mágico; Pollyanna é conduzida à redenção. A diferença entre os dois, talvez, se resuma aos objetivos que os impelem: o rei quer riqueza, numa perspectiva egoísta, centrada em si; a garota quer ver sua realidade mais amena, mais leve, mais feliz.
Pollyanna encarna, creio, ao mesmo tempo, a inocência e a peraltice tão comuns às crianças e aos adolescentes. Daí sua atualidade, daí ainda sua necessidade de leitura. É preciso, apesar de todas as adversidades que o mundo moderno oferece às gerações futuras, acreditar no sonho, acreditar que a transformação é possível. E, nesse sentido, Pollyanna é convite.

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