sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Caio Leitor 21 - A pau e corda: a crônica no divã

A pau e corda: a crônica no divã
Caio Riter
 
Não sou cronista.
Minto. Tal afirmação parece categórica em demasia. É que a crônica não é algo natural em mim. Não é algo que nasça do desejo de cronicar. Vez ou outra, bissextamente, cronico. Logo, não sou um cronista crônico.
Mas sou exigente.
Creio que a crônica exige mais do que muita gente, dita cronista e, portanto, escritora, tem feito diariamente nos jornais e revistas que circulam pelo país. A crônica exige arte. A arte de saber perceber o tolo, o frugal, o cotidiano, de uma forma enviesada. Lançar aquele olhar sobre o óbvio, dizendo o óbvio, mas sem apelar para obviedades. Simples. Aparentemente sim. Só aparentemente.
Assim, quando me deparo com um bom cronista ¾ algo singular nesta época de imediatismo, em que tudo deve ser palatável, em que tudo tem de ser rápido, em que tudo não pode exigir demais do leitor ¾, sou mergulho em suas palavras e viro desejo de mais e mais leitura. Fico querendo ler o óbvio, aquilo que estava ali, bem diante do meu nariz, e que eu não era capaz de ver. Ou melhor, via sem ver. O bom cronista, portanto, possibilita olhares, aguça as verdades, revela o mascarado, mostra o não visto. E faz isso, sabedor de que as palavras são sua matéria-prima e de que faz literatura, não apenas um produto que se curva às leis do mercado.
Mas, afinal, por que esse papo todo sobre a crônica e sua arte? Ora, porque, ao penetrar nas páginas do livro A pau e corda (Editora Proa), do autor Rônei Rocha, encontrei o procurado. Seus textos estão recheados de verdade. Uma verdade que pulsa, mas que não abre mão do humor e da reflexão. Há em suas crônicas aquele olhar de viés, tão necessário ao cronista. Há um tanto de vida pulsante nos recortes do cotidiano que o cronista pinça (ou que lhe caem nas mãos, ou que entram porta a dentro de seu consultório, ou que tropeçam à sua frente pelas ruas e praças da cidade) e transforma em literatura. Uma literatura, todavia, que não se pretende imediata: Rônei sabe que escrever é inscrever-se no tempo, não apenas tecer comentário datado, não apenas servir de leitura no tênue e rápido momento em que se abre um jornal.
O universo do consultório, vertido numa ótica irônica, em que o lugar-comum é revirado pelo avesso (adorei ler que existem pessoas saudáveis e que nem todo mundo necessita de terapia, por exemplo) se faz presença. Afinal, se um divã ou uma poltrona com certeza suscitam material rico ao médico (sim, eu não havia dito ainda, Rônei é psiquiatra), imagina ao cronista? Todavia, o próprio escritor acaba por se analisar ¾ como na divertida crônica Harley Roneidson ou na sensível Lola e eu ¾ e também por dissecar as ações e desejos daqueles que o cercam: a tal sociedade com seus pensares e agires.
E o leitor mergulha nestas breves reflexões sempre com desejo de quero mais, desdizendo o título do livro, visto que não há necessidade de paus nem de cordas, não há sacrifício algum, apenas o deleite que, é bem verdade, leva à reflexão: olhos se abrem para perceber o que estava o tempo todo ali e que Rônei Rocha sabe revelar. Prazer e reflexão, eis, segundo o poeta-filósofo Horácio, as funções da boa literatura.

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