A pau e
corda: a crônica no divã
Caio Riter
Não sou cronista.
Minto. Tal afirmação
parece categórica em demasia. É que a crônica não é algo natural em mim. Não é
algo que nasça do desejo de cronicar. Vez ou outra, bissextamente, cronico.
Logo, não sou um cronista crônico.
Mas sou exigente.
Creio que a crônica
exige mais do que muita gente, dita cronista e, portanto, escritora, tem feito
diariamente nos jornais e revistas que circulam pelo país. A crônica exige
arte. A arte de saber perceber o tolo, o frugal, o cotidiano, de uma forma
enviesada. Lançar aquele olhar sobre o óbvio, dizendo o óbvio, mas sem apelar
para obviedades. Simples. Aparentemente sim. Só aparentemente.
Assim, quando me
deparo com um bom cronista ¾ algo singular nesta
época de imediatismo, em que tudo deve ser palatável, em que tudo tem de ser
rápido, em que tudo não pode exigir demais do leitor ¾,
sou mergulho em suas palavras e viro desejo de mais e mais leitura. Fico
querendo ler o óbvio, aquilo que estava ali, bem diante do meu nariz, e que eu
não era capaz de ver. Ou melhor, via sem ver. O bom cronista, portanto,
possibilita olhares, aguça as verdades, revela o mascarado, mostra o não visto.
E faz isso, sabedor de que as palavras são sua matéria-prima e de que faz
literatura, não apenas um produto que se curva às leis do mercado.
Mas, afinal, por que
esse papo todo sobre a crônica e sua arte? Ora, porque, ao penetrar nas páginas
do livro A pau e corda (Editora
Proa), do autor Rônei Rocha, encontrei o procurado. Seus textos estão recheados
de verdade. Uma verdade que pulsa, mas que não abre mão do humor e da reflexão.
Há em suas crônicas aquele olhar de viés, tão necessário ao cronista. Há um
tanto de vida pulsante nos recortes do cotidiano que o cronista pinça (ou que
lhe caem nas mãos, ou que entram porta a dentro de seu consultório, ou que
tropeçam à sua frente pelas ruas e praças da cidade) e transforma em
literatura. Uma literatura, todavia, que não se pretende imediata: Rônei sabe
que escrever é inscrever-se no tempo, não apenas tecer comentário datado, não
apenas servir de leitura no tênue e rápido momento em que se abre um jornal.
O universo do
consultório, vertido numa ótica irônica, em que o lugar-comum é revirado pelo
avesso (adorei ler que existem pessoas saudáveis e que nem todo mundo necessita
de terapia, por exemplo) se faz presença. Afinal, se um divã ou uma poltrona
com certeza suscitam material rico ao médico (sim, eu não havia dito ainda,
Rônei é psiquiatra), imagina ao cronista? Todavia, o próprio escritor acaba por
se analisar ¾ como na divertida crônica Harley Roneidson ou na sensível Lola e eu ¾ e também por
dissecar as ações e desejos daqueles que o cercam: a tal sociedade com seus
pensares e agires.
E o leitor mergulha
nestas breves reflexões sempre com desejo de quero mais, desdizendo o título do
livro, visto que não há necessidade de paus nem de cordas, não há sacrifício
algum, apenas o deleite que, é bem verdade, leva à reflexão: olhos se abrem
para perceber o que estava o tempo todo ali e que Rônei Rocha sabe revelar.
Prazer e reflexão, eis, segundo o poeta-filósofo Horácio, as funções da boa
literatura.
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