sábado, 16 de abril de 2011
A criatura do Realengo
Há poucos dias, a mídia explorou, com detalhes, o episódio do Realengo, que, creio, desnecessita de explicações. Todo mundo sabe do que falo. Tiros em local impróprio, demasiadamente impróprio. Afinal, mata-se em guerras; mata-se no trânsito; mata-se na esfera privada por diferentes motivos: amor, ódio, dinheiro; mata-se em festas. Enfim, a violência já é nossa consorte (ou amante) nesses dias tão tingidos de cinza. E de vermelho. O vermelho sangue de corpos inocentes, ceifados na flor da vida. O vermelho sangue também de uma criatura que na vida foi expoliada de seu primeiro direito: o de ser amado. Quem não é amado não sabe amar. Quem aprendeu a viver no medo da perda aprende a proporcionar perdas em nome sabe-se-lá-do-quê. E o lugar que deveria ser oásis, recanto, ninho transforma-se em cenário de barbárie. A sociedade se horroriza; a violência dá sua cara a tapa. E un tanto de gente se apavora. O mesmo tanto que aceita, feito boi dormindo no pasto, feito macaco que fecha olhos, ouvidos e boca, que tantas outras mortes ocorram, graças à fome, ao preconceito, à miséria. Afinal, os tiros no Realengo foram mesmo de pólvora. Porém, outros tiros tantos são disparados a todo o momento. E nós, na maioria das vezes, calamos diante da morte do sonho, da dignidade, da solidariedade. Criamos monstros, como o tal do Wellington. E, depois, nos apavoramos com seus atos. Somos tal qual o protagonista do clássico livro de Mary Shelley: Frankesteins cria a criatura e não se dá conta que é responsável por ela, que ela carece de carinho, de amor; que ela se sente só; que ela não pediu pra nascer. Uma vez monstro, portanto, dará ao ser criado a certeza de sua função no mundo: provocar monstruosidades. Só assim, talvez, o olhem. Mesmo que seja para dizerem que ele é um ser desprezível. O momento é de dor. O momento é de pensar quantos outros monstros, ainda, a sociedade irá gerar.
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