Escrever é alimentar afetos.
Há os que dizem, e não lhes tiro a razão, que a escrita é
ato solitário. Eu, todavia, prefiro vê-la como ato solidário. Quando penso uma
história ou um poema, penso em mim, é claro, penso em que medida minha escrita
possa contribuir com a expressão do meu eu, dos sentimentos que tais palavras
me permitem viver (ou reviver). Quando escrevo, falo de mim. Mas também quero
falar com o outro. Sem leitor, a literatura não cumpre seu papel maior: o de
ser ponte.
Escrever é estender pontes.
Pontes para o dentro. Pontes para o fora. Pontes, sobretudo,
que sejam elo entre duas ou mais margens, entre mais e mais pessoas.
Meu ponto de partida foi uma família humilde. E se digo isso
não é para exaltar-me como alguém que superou sua condição, nem para me pôr
numa condição menor, digo-o apenas por ser fato e para tentar entender o porquê
de o Caio, criança sem livros, hoje ser o Caio, escritor, que olha para trás e
percebe o quanto a leitura fez diferença em sua trajetória. Se eu não tivesse
lido, se não tivesse enveredado pelas bibliotecas públicas atrás de
possibilidades diferentes de ser gente, de sentir, não estaria agora aqui,
celebrando com vocês (e isso é bom de viver) estes 25 anos de escrita.
Escrever é provocar acidentes.
A vida é mesmo uma sucessão de acidentes. Há os bons, há os
menos bons. E eu me torno escritor por vontade (fiz Jornalismo, com esta
intenção; fiz Oficina Literária também), todavia tornar-me escritor para a
infância e para a adolescência foi acidente daqueles bons: a nossa primeira
gravidez abrindo espaço para presente inusitado, único: um livro infantil para
presentear a mulher que havia aceito meu convite para gerarmos uma nova vida.
Assim, nasceu meu primeiro livro para a infância. Na verdade, um livro para uma
única criança. Dei-lhe o nome de O fruto
verde e até hoje mantenho a promessa. Livro único.
Fiz outros livros artesanais, até que um outro acidente fez
com que meu primeiro livro fosse publicado. Isso lá em 1994. A continuação
desta história longa, muitos de vocês acompanharam. E quando vejo tanta gente
bacana, tanta gente que veio aqui hoje celebrar comigo esta parte de minha
história, só posso ser feliz e plagiar o Saramago: “Caio, vales alguma coisa”.
Escrever é permitir que as palavras morem em mim.
Eu me faço moradia delas, procuro dar-lhes guarida,
aconchego em mim. Gosto das palavras, me encanto com elas, embora saiba que,
por vezes, elas são pouco obedientes, são insubmissas, revolucionárias, o que
acredito venha de sua própria condição feminina. Cada encontro com as palavras
é sempre um convite para novas histórias, novos textos, novos poemas. Me deixo
fecundar por ela, e espero que isso possa seguir acontecendo mais e mais e mais
e mais.
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