O forte da minha infância
A rua de minha infância era comprida. Dos dois lados, casas muito iguais, com sua única janela frontal. Acavalado no portão, eu ficava a inventar sonhos para cada uma das pessoas que passavam, a maioria descida do ônibus cuja parada, lá na esquina — esquina que me parecia tão distante —, despejava-os, cansados, apressados, tristes, falantes, em mais um dia de retorno.
A rua da minha infância abrigava um tanto de guris como eu: o Mano, o Feio, o Altair e o André, o Lindomar. Minha rua acolhia também o Mário. A casa dele tinha muro e portão de ferro, e ele era garoto de quase não saídas para as brincadeiras de rua, que ficava observando detrás da fronteira de tijolos.
Mas o Mário tinha o que nenhum de nós possuía: um forte-apache. Grande, colorido, cheio de cavalos, de soldados e de índios, com suas tendas, com seus arcos prontos a dispararem flechas contra a fortaleza que protegia os homens brancos e fardados.
O Mário tinha, guardada em uma enorme caixa de papelão, esta enorme possibilidade de aventuras; aventuras como aquelas que passavam nos filmes da sessão da tarde. E poucos eram os escolhidos para transpor o portão de ferro, para dividir com o Mário a fantástica aventura de dar vida àqueles bonecos de plástico.
Eu era um deles.
E havia algo de sagrado naquela escolha. Havia algo de epifânico, pois nem sempre o Mário atendia ao meu convite de brincar de forte-apache. Creio que, para o meu amigo, aquele brinquedo não representava o que representava pra mim. Afinal, ele era o dono; a ele cabia a liberdade do desejo. Brincar ou não brincar dependia apenas de uma palavra sua e de um abrir de caixa. Caixa sempre de surpresa, embora o que seria visto já fosse conhecido. O maravilhamento estava, hoje penso, nas possibilidades que cada parte do forte-apache suscitava: os muros, a torre de vigia, as bandeiras, os soldados, as montarias, a carruagem, as tendas indígenas, os próprios índios, o fogo-de-chão. Aos poucos, no mover dos elementos, uma história de guerra ia se desenrolando e a fantasia só tinha fim quando a mãe do Mário o chamava.
Era o toque de recolher.
E eu me ia, portão fechado atrás de mim, com o desejo calado na garganta: Mário, tu me empresta o forte?
Nunca pedi.
Ao voltar para casa, prendedores de roupas e pedaços de pau tomavam a forma do meu forte, não tão perfeito e bonito como o do Mário.
Mas meu.
A rua de minha infância era comprida. Dos dois lados, casas muito iguais, com sua única janela frontal. Acavalado no portão, eu ficava a inventar sonhos para cada uma das pessoas que passavam, a maioria descida do ônibus cuja parada, lá na esquina — esquina que me parecia tão distante —, despejava-os, cansados, apressados, tristes, falantes, em mais um dia de retorno.
A rua da minha infância abrigava um tanto de guris como eu: o Mano, o Feio, o Altair e o André, o Lindomar. Minha rua acolhia também o Mário. A casa dele tinha muro e portão de ferro, e ele era garoto de quase não saídas para as brincadeiras de rua, que ficava observando detrás da fronteira de tijolos.
Mas o Mário tinha o que nenhum de nós possuía: um forte-apache. Grande, colorido, cheio de cavalos, de soldados e de índios, com suas tendas, com seus arcos prontos a dispararem flechas contra a fortaleza que protegia os homens brancos e fardados.
O Mário tinha, guardada em uma enorme caixa de papelão, esta enorme possibilidade de aventuras; aventuras como aquelas que passavam nos filmes da sessão da tarde. E poucos eram os escolhidos para transpor o portão de ferro, para dividir com o Mário a fantástica aventura de dar vida àqueles bonecos de plástico.
Eu era um deles.
E havia algo de sagrado naquela escolha. Havia algo de epifânico, pois nem sempre o Mário atendia ao meu convite de brincar de forte-apache. Creio que, para o meu amigo, aquele brinquedo não representava o que representava pra mim. Afinal, ele era o dono; a ele cabia a liberdade do desejo. Brincar ou não brincar dependia apenas de uma palavra sua e de um abrir de caixa. Caixa sempre de surpresa, embora o que seria visto já fosse conhecido. O maravilhamento estava, hoje penso, nas possibilidades que cada parte do forte-apache suscitava: os muros, a torre de vigia, as bandeiras, os soldados, as montarias, a carruagem, as tendas indígenas, os próprios índios, o fogo-de-chão. Aos poucos, no mover dos elementos, uma história de guerra ia se desenrolando e a fantasia só tinha fim quando a mãe do Mário o chamava.
Era o toque de recolher.
E eu me ia, portão fechado atrás de mim, com o desejo calado na garganta: Mário, tu me empresta o forte?
Nunca pedi.
Ao voltar para casa, prendedores de roupas e pedaços de pau tomavam a forma do meu forte, não tão perfeito e bonito como o do Mário.
Mas meu.
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