A escrita tem sempre seu dado de invenção, creio que mesmo quando mergulhamos em universos não urdidos por nós, como é o caso da adaptação. Graças ao pedido do pessoal do Jogo da Amarelinha, ano passado descobri o bom de adaptar. Fazia tempo que eu tinha o desejo, mas, na verdade, não sabia direito o que ele poderia me proporcionar de prazer. Haveria o prazer da escrita semelhante àquele de quando invento minhas histórias, ou seria apenas e mero trabalho com as palavras? Me descobri gostando de urdir mundos já urdidos, tentativa de aproximar clássicos da literatura universal de crianças e de adolescentes. Pois neste quente verão de 2010, aceitei a tarefa de realizar mais duas adaptações para a Série Recontar, da Escala Educacional: Aladim, clássica história das Mil e Uma Noites (sem autor) e O retrato de Dorian Gray, do Oscar Wilde. O processo de releitura, de pesquisa, de escrita, depois os ajustes ao público, sem contudo deixar que se perca a essência do original, é labor, mas também sedução demasiada.
Abaixo, fragmento de minha versão para o romance do polêmico Oscar Wilde, ainda no prelo, mas com previsão de publicação para os próximos meses.
Deitado no divã, Henry Wotton podia ver o jardim através da porta aberta do ateliê. Um ou outro pássaro jogava a sombra de seu voo sobre as cortinas das janelas. Apenas isso. No mais, o zumbido monótono das abelhas tornava mais terrível ainda o silêncio daquela tarde. Os ruídos de Londres chegavam vagamente aos ouvidos do rapaz.
No centro do ateliê, sobre um cavalete, havia um retrato: um jovem de corpo inteiro e de extraordinária beleza. Diante dele, à pouca distância, estava Basil Hallward, o artista que pintara tal retrato e que, ao observar a beleza de sua obra, não conseguia conter um sorriso de prazer.
Ainda com o riso nos lábios, Basil se levantou, fechou os olhos e cobriu as pálpebras com as mãos, como se quisesse aprisionar dentro de si algum sonho do qual não quisesse despertar.
— È lindo esse retrato, Basil. O melhor que você já pintou. Com certeza.
O pintor permaneceu estático, mãos sobre os olhos. As palavras do amigo pareciam não provocar qualquer efeito sobre ele.
Henry repetiu:
— Belo retrato. Digno de ser exposto ao público.
— Não penso em expor este quadro — disse Basil, retirando as mãos do rosto e abrindo os olhos.
— Como não? — falou Henry. O amigo pintava sua maior obra e lhe dizia que não a divulgaria em nenhuma exposição. — Mas por quê? Vocês pintores são mesmo esquisitos: lutam pela fama e, quando têm a possibilidade de experimentá-la, a atiram fora. Um retrato como esse iria colocar você em destaque. Provocaria inveja nos jovens pintores. E nos velhos também.
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