Ser pai é bom demais.
Caio Riter
Houve um tempo em que eu acreditava
que pais eram mães ou que, pelo menos, podiam ser. No sonho de ser pai, do qual
eu me alimentava, sabia que homens e mulheres se tornam iguais no momento da
concepção. Diferenças inexistiam, era o que pensava. Afinal, basta transitar
pelas ruas de nossa cidade e encontraremos muitos pais em funções outrora
essencialmente maternas: bebês no colo, mamadeiras em apronte, carrinhos que vão
sendo guiados com delicadeza por másculas mãos, futuros sendo empurrados pelos
balanços e carrosséis da vida, mãos seguras a guiar caminhos. Eu tinha essa
certeza; a observação e o sentimento é que a gestavam em mim: pais e mães são
indistintos na vida de um filho.
Assim, na minha fantasia, eu ia
sonhando e me preparando para ser um pai-mãe. Homem repleto de maternidade. E como inexistem forças
capazes de impedir que um sonho bem sonhado real se torne, virei pai. Coração
explodindo em grávida expectativa.
Curti desde o primeiro instante
aquela semente que crescia no ventre da mulher amada. Experiência repetida.
Duas outras mulheres vindo ao mundo, frutos do nosso desejo. E ver aqueles
rostinhos desprotegidos, alegres, brilho de afeto resplandecendo a cada
carinho, a cada conquista, a cada despertar, sempre foi o presente maior. Fui, então, sendo — entre erros, acertos e
tentativas — o que queria ser: pai.
Fui homem de acordar na madrugada ao
chamado da palavra-mágica; fui homem de me deitar no chão, desprovido de
qualquer ameaço de maturidade, para virar barco, cavalo ou outra coisa
qualquer, vítima do desejo infantil daquelas que foram sonhadas por mim. Fui
homem também de invenção de teatros, de criação de personagens, que iam
povoando aqueles pequenos corações e a casa toda; fui homem de canções de
ninar, de histórias de boca, inventadas ali mesmo no momento exato da contação;
fui herói de afugentar terríveis insetos, monstros horrorosos, que suscitavam
gritos e pedidos de proteção. Fui sendo pai do jeito que sabia e que julgava
que um pai devia ser.
Mas jamais fui mãe.
Um pai, por mais que deseje, nunca
será mãe. Só pai, no tudo de bom que um pai possa ser. Porém, apenas pai. Nada
mais que pai.
Um pai, por mais pai que seja, não é
mãe. A mulher que gera um outro ser dentro de si estabelece uma relação de
cumplicidade que homem nenhum, por mais competente que seja em sua tarefa de
amar incondicionalmente seus filhos, atingirá. Nós, os pais, durante a gestação,
na verdade, ficamos de fora. Por mais que sejamos chamados a participar, por
mais que queiramos gerar junto o bebê que se forma, estamos de fora. Somos
parte exterior, um apêndice numa relação visceral. Um coadjuvante que, por mais
importante que seja sua participação na trama, é apenas personagem secundário. Apenas o amigo do mocinho. Amigo que precisa descobrir
seus modos de atuação, que precisa fazer-se necessário na urdidura da narrativa
familiar, a fim de ser também fundamental parte na história daquele que vai
tornando-se gente.
Mas jamais será mãe.
Não nutriu com sua vida a vida do outro, não partilhou
com o outro toda a sua carga emotiva, não dormiu o outro no embalo do ritmo do
seu coração. Não. E tudo isso antes mesmo do nascer.
As mães, esses seres com os quais estabelecemos uma
relação eterna (quer para o bem, quer para o mal), estarão sempre, me parece,
na dianteira de qualquer pai que se arvore em mãe. Elas nutrem os
filhos não apenas com seu sangue, mas também com suas alegrias, com suas
tristezas, com suas certezas e hesitações. Mães alimentam seus rebentos com a
própria vida.
Ser pai, é claro, tem lá sua força
no crescer de um filho. É união eterna também. Mas não é sobre isso que falo.
Falo de algo que vem de além do nascimento. Relação mágica, dupla, forte. Não sei se me entendem. Entretanto, é apenas
isso: se ser pai é bom demais; ser mãe deve ser melhor ainda.
Um comentário:
Sem palavras, só a emoção de compartir teus sentimentos.
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