quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Caio cronista 6: Ler: para que mesmo?

LER: PARA QUE MESMO?
Caio Riter

Uma criança sem livros é o prenúncio de um tempo sem idéias
Maria Dinorah

A pergunta-título parece desnecessária. É claro que conhecemos sua resposta: ler para socializar, para desenvolver a sensibilidade, a criatividade, a imaginação criadora, a compreensão do mundo, a competência lingüística. Afinal, diz o senso comum, a leitura ensina a escrever. Inexiste um bom conhecedor da língua que não seja leitor. Assim, leitura e escrita se interpenetram. Professor que quer ensinar a escrever, deve antes ensinar a ler.
Até aí, tudo bem. O problema é que a atividade da leitura na escola, na maioria das vezes, tem-se baseado em alguns pré-conceitos. O maior deles é que ler é prazer. Só prazer. Destituído de qualquer atividade intelectual. Pensar assim, parece-me perigoso, pois reforça uma postura de lazer em relação à leitura, sendo que lazer, convenhamos, varia conforme o “gosto do freguês”. Outro senão é que, geralmente, no ensino fundamental, a leitura é uma atividade, com exceção de algumas iluminadas famílias, essencialmente escolar. Ler livros passa a ser atividade da “hora do conto”, momento em que um professor “especializado” faz uma rodinha, lê algum texto e propõe algumas atividades lúdicas que, muitas vezes, não tem nada a ver com o que está sendo realizado em sala de aula. Por exemplo: desenhar a parte do livro que chamou a atenção ou, ainda, inventar um outro final para a história.
Tal postura, apesar de muitas vezes bem intencionada, pode levar a criança a concluir que existe um espaço reservado para o livro: o educacional. É na escola, com a profe da hora do conto, que se lê “livrinhos”; em casa o lazer ou o prazer pode se dar de outras formas. As mais comuns: televisão, jogos eletrônicos, computador, skate. Ora, tal concepção, longe de formar leitores, cria esferas próprias para a leitura. E, creio, não adianta o professor dizer para seus alunos como é bom deitar-se com um livro ao lado e mergulhar num mundo desconhecido, abrindo mente e coração para a fantasia do universo que se descortina. Neste caso, parece-me, a fala não basta. Carecemos de atos e de exemplos.
O que quero dizer, enfim, é que lugar de livro não é só na escola. Não deve ser. Defendo a indicação de leituras extraclasse, defendo o resgate de textos clássicos da literatura universal, defendo a realização de um trabalho fruitivo-intelectual com os textos indicados, assegurando a consciência de que o livro traz prazer, mas traz também conhecimento; e que a minha casa é também lugar de livro. Leio em casa, na escola, no lotação, na praia, em qualquer lugar. Leio porque sei que a leitura é caminho para meu crescimento cognitivo e social. Leio porque tenho livros à minha disposição, aos montes. Quer na escola, nas bibliotecas, em casa: local em que, ano após ano, vou, assessorado e motivado por meus professores, criando minha biblioteca particular. Afinal, a leitura de um bom livro não é atividade única ou isolada. É retorno, é releitura e motivo para novas descobertas. Enfim, como diz Marly Amarilha, “que a busca por livros não seja um hábito apenas, pois já nos ensina a cultura popular que o hábito não faz o monge, mas que seja o encontro de um leitor com o seu tempo interior, no interior de uma biblioteca”.
E que bom se essa biblioteca for sua, resultado de seu crescimento como leitor. Para tal, a partir do momento em que a criança é capaz de decodificar o código lingüístico, a indicação e cobrança de leituras extraclasse é fundamental e deve ser encarada como uma das prioridades para a formação de um leitor crítico e permanente.

Nenhum comentário: