Um balé de assombramentos
Caio Riter
Escrever para adolescentes, com originalidade, não é tarefa fácil. Muitos são os autores hoje, pelos mais diferentes motivos, que se aventuram a produzir literatura juvenil. Cada um com seu estilo, cada um com suas crenças, cada um com seu universo particular de temas e de gênero. Confesso que, como leitor e como escritor, me interessam, sobretudo, tramas que contenham dramas humanos. Sim, creio que escrever para jovens não é apenas arquitetar uma trama repleta de peripécias. Algo mais precisa ser construído. Algo de extrema necessidade: personagens singulares, personagens que transponham a fronteira da invenção e tornem-se seres de carne e osso, apesar de serem feitos de verbo.
Assim, quando mergulho num universo em que elementos arcaicos, como a lenda ou o sobrenatural, se fundem com elementos atuais e propiciam a emoção ou o arrepio necessários a um bom texto, o leitor que existe em mim imerge em tal mundo, devora-o, alimenta-se dele e é levado a querer saber até onde a emoção do escritor pode levar a minha. Relação de cumplicidade.
Pois foi o que senti ao abrir as páginas de A bailarina fantasma, de Socorro Acioli, brilhantemente editado pela Biruta, num projeto gráfico digno de prêmio. A cor rosa, as imagens do Theatro José de Alencar, os desenhos em arabescos, tudo reforça o tema central e contribui para o clima de sobrenatural que permeia as duas primeiras partes da história, sabiamente dividida em três atos, como se uma grande história não apenas estivesse sendo narrada ou dançada, mas sentida.
O narrador se deixa comover, embora seja neutro em seu relato. E sua comoção contida abre espaço para os arrepios que eriçaram meu corpo as vezes em que a jovem Clara, bailarina e fantasma, aparece para a protagonista, a jovem assustada Anabela. Porém, não apenas de arrepios tal história se constrói. A emoção, necessária a qualquer texto, independente do público a que se dirige, está presente. O reencontro de Gabriel com a filha que ele julgara morta é emocionante, dá aquele aperto na garganta, traz um certo brilho de água aos olhos. Fica-se a perguntar sobre o que poderiam ter sido aquelas vidas, caso a maldade não tivesse lançado suas garras sobre o destino de Clara e de Gabriel.
Neste sentido, Socorro elabora duas histórias: a de Clara, bailarina virada assombração, cuja lenda faz parte do imaginário cearense e para a qual a autora, através de pesquisa, ficcionalizou uma verdade; e a de Anabela, jovem que tem a capacidade de ver o fantasma da bailarina e que irá ser o elo entre ela e o mundo real, a fim de que uma grande injustiça seja reparada.
Desta forma, o livro de Socorro Acioli não apenas se centra no episódio sobrenatural, que com certeza possui apelo por si só ao coração dos adolescentes (e não apenas deles), mas mergulha na dor das perdas de Anabela. Há vida, pois, nas histórias das duas jovens. Ambas enfrentaram experiências de morte, ambas desejam estabelecer novas relações para si. Aliás, a cena inicial, que é retomada no final, com Anabela enterrando, junto com animaizinhos domésticos mortos, bilhetes para a mãe falecida é de uma originalidade ímpar e de uma beleza singular.
Li com gosto A bailarina fantasma. Livro dos bons, que não subestima seu público e que vai além dele. Afinal, como disse Orígenes Lessa, o bom livro para crianças ou para adolescentes é aquele que é lido com prazer pelos adultos. O que, para mim, com certeza é uma verdade inegável.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
Maravilhoso texto! Só aguçou ainda amais minha vontade de ler o livro. Está na minha lista.
Um dia desses eu era sua fã, lendo seus textos de longe, de tão longe.
Que honra, Caio!
Muito obrigada!
Obrigada, Caio! Muitíssimo obrigada!
Postar um comentário