Bastava equilíbrio.
Eram dois pedaços de pau, compridos
e fortes. Pregado, mais ou menos no meio, um pequeno pedaço de madeira que
servia de suporte para os pés. Construção caseira, as pernas-de-pau eram
capazes de transformar aqueles pequenos homens que éramos em gigantes. E os guris
saíam caminhando pelas ruas, aos gritos e risos, numa verdadeira procissão de
estranhos seres. Passos de pau a executarem um batuque desconexo e fora de
ritmo pelas pedras das calçadas. Meu irmão maior ia na frente, comandando o
bando com suas pernas-de-pau.
E eu os via partir. Iam em festa. Sentado no
cordão da calçada, ficava apenas a olhá-los, a vê-los sumirem em alguma esquina
ou na distância. Não que eu não tivesse pernas. Tinha-as, mas não estava em mim
a possibilidade do equilíbrio, da força que me parecia necessária para o
primeiro passo.
Quando eles sumiam, eu repetia o
ritual, tão observado neles. Apoiava as pernas-de-pau no muro, sentava-me sobre
elas, colocava os pés nos pedaços de madeira. Cada braço abraçava uma das
pernas: um leve impulso me afastava do muro e eu ficava suspenso do solo num
tosco equilíbrio sobre as pernas, tentativa inútil de passo, que me obrigava a
pular para o chão, pernas-de-pau atiradas uma para cada lado.
Quantas vezes tentei? Nem lembro.
Também não lembro como descobri uma forma de acompanhar o cortejo equilibrista.
Ora, se não conseguia domar as pernas, restavam-me os pés.
Pés-de-lata.
Duas latas de mesmo tamanho, dois
pregos e um forte cordão eram os materiais necessários. Um furo no fundo de
cada lata, por onde cada ponta do cordão passava e depois eram amarradas nos
pregos que serviam de trava. Segurava-se o barbante no meio, subia-se descalço
sobre as latas, os dedos apertando o cordão, e pronto: as latas aderiam feito
chinelos havaianas em meus pés.
E nem bem a gurizada montava nas
pernas-de-pau, eu já subia em meus pés-de-lata e, juntos, saíamos pelas ruas
num passo ritmado, marcado pelo som fechado das madeiras sobre as lajes e
paralelepípedos e pelo som metálico dos meus novos pés.
Nenhum comentário:
Postar um comentário