sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os túneis da igreja de Viamão

A igreja matriz de Viamão, Nossa Senhora da Conceição, é a primeira (não sei se única) igreja-forte do Brasil. Contam que, em tempos de guerra, quando a cidade era a capital da província, suas pesadas portas eram fechadas e a população ficava protegida (claro que não devia ser toda a população, né? Talvez os mais afortunados, apenas). Pois, quando estive em Viamão, certa vez me contaram a lenda dos túneis que atravessam a cidade. Dizem que eles partem da igreja. Que há uma passagem secreta e por ela os revolucionários saíam escondidos, e mergulhavam nos túneis, que desembocavam nas fontes espalhadas pela cidade. Lenda, apenas lendas. Ou não.


O fato é que visitar Viamão gerou o texto "Cinco enigmas, um tesouro", que participou do Projeto Livros na Mão, coordenado pela escritora (e amiga) Marô Barbieri, e que no momento ainda não está comprometido com nenhuma editora. Vai um trechinho aí pra quem é curioso:


1.    O sonho

Um raio estoura lá para os lados dos charcos de Tarumã. O cavalo empina, talvez pelo ruído do trovão, talvez pela chuva forte, gotas quase lâminas a machucarem seu pelo. Gotas que também ferem o rosto do cavaleiro, que segura as rédeas firmes e toca o animal em direção à igreja. Aquele é seu destino, lá estará seguro para fazer o que deve fazer.

Noite escura, céu todo fechado pelas grossas nuvens que desabam sobre Viamão. O homem açoita o cavalo. Coração disparado, aperta contra o peito um pacote. Nem sombra de gente alguma nas ruas de pedra. Quem afinal seria louco de sair do aconchego dos cobertores numa noite fria como aquela? Quem além dele? Somente aqueles que o perseguem: os homens do Serapião.

Chega à praça, olha para trás, para os lados: ninguém. O padre, àquela hora, deve estar no segundo sono. Melhor assim. Nada de testemunhas. Nada.

Desce do cavalo, bate em seu lombo para que ele se vá, para que suma pelas ruas da cidade. Que seus perseguidores se vão atrás do animal e se esqueçam dele ali na Igreja de N.Srª da Conceição.

Empurra a porta da igreja-fortaleza, entra. Fecha a pesada porta atrás de si e o frio gélido do prédio santo o faz arrepiar-se. Benze-se, caminha até o altar. Um raio explode no céu e ilumina a nave em tons coloridos, filtrados pelos vitrais. A porta da igreja abre-se com um estrondo. O homem volta-se, deixa o pacote que traz cair ao chão. O peso do que ele contém lasca o piso, deixa uma marca funda.

Teme.

Mas é apenas o vento. Apenas ele. Segue em direção ao altar, não sem antes pegar o pacote. Sabe o que tem que fazer.