Pai, entre o ter e o
ser.
Eu tive um pai, disse-me a mulher que amo, e suas palavras
foram eco no dentro de mim. Eu também já tive um pai. E o tempo pretérito que
se agarrou à frase foi incômodo, não por ser pronunciada em tempos de
proximidade destas datas instituídas pelo comércio, mas que, paradoxalmente,
cumprem o papel de trazer à lembrança aqueles que aqui estão e que tiveram
parte em nosso existir. Incômodo maior pelo fato de instituir fins. Todavia um
fim sempre presença: lembrança maior daqueles que se foram, daqueles que não
são mais presença física, não são mais toque de telefone para saber como os
rebentos estão, não são mais silêncio à meia-luz, não são mais brilho nos olhos
com o sucesso dos filhos, não são mais.
Você tem um pai, eu respondi, talvez querendo convencer a
mim mesmo da certeza desta pertença. Ele apenas não está mais aqui. Mas é. É no
que deixou de exemplo; é no que permite de lembrança positiva, sincera,
afetuosa; é no que foi de parceiro, sem jamais esquecer que ser pai implica não
apenas concordâncias, mas, sobretudo, apontamento de caminhos, interdições,
limites; coisas muitas vezes não compreendidas no momento próprio do ocorrido.
Meu pai se foi, assim
como da Laine, como o de tantas pessoas, um dia ele se foi. Contudo, sua
partida deixou presença. Foi-se sem ir-se.
E o pai que se foi é dor
maior em mim, maior que a ausência materna. E isso passei a entender após me
tornar pai. A sintonia se estabelece. Eu mesmo querendo ser aquele que desejaria
ter tido e que só hoje, apartado na ausência e na distância, entendo.
Entendimento de que cada um é apenas, e somente, aquilo que pode ser, aquilo
que consegue ser. Tive, hoje sei, o pai que meu pai conseguia ser, dentro de
suas limitações, de seus impedimentos, de suas querências. Um pai que ainda
ressoa em mim. Um pai que me dita caminhos possíveis de ser pai, quer pelo que
foi (é) para mim, quer pelo que deixou de ser.
Eu sou pai, digo para mim mesmo, e este dizer me invade
de uma alegria tão plena, tão completa, que passo a entender o que um dia devo
ter sido pro meu pai. Eu sou pai,
repito, e esta certeza me impele, sempre, a me sentir responsável por duas
vidas, a me sentir amado por duas vidas nascidas de parte de mim. E isto é bom.
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