sábado, 10 de agosto de 2013

Crônica

Pai, entre o ter e o ser.

Eu tive um pai, disse-me a mulher que amo, e suas palavras foram eco no dentro de mim. Eu também já tive um pai. E o tempo pretérito que se agarrou à frase foi incômodo, não por ser pronunciada em tempos de proximidade destas datas instituídas pelo comércio, mas que, paradoxalmente, cumprem o papel de trazer à lembrança aqueles que aqui estão e que tiveram parte em nosso existir. Incômodo maior pelo fato de instituir fins. Todavia um fim sempre presença: lembrança maior daqueles que se foram, daqueles que não são mais presença física, não são mais toque de telefone para saber como os rebentos estão, não são mais silêncio à meia-luz, não são mais brilho nos olhos com o sucesso dos filhos, não são mais.
Você tem um pai, eu respondi, talvez querendo convencer a mim mesmo da certeza desta pertença. Ele apenas não está mais aqui. Mas é. É no que deixou de exemplo; é no que permite de lembrança positiva, sincera, afetuosa; é no que foi de parceiro, sem jamais esquecer que ser pai implica não apenas concordâncias, mas, sobretudo, apontamento de caminhos, interdições, limites; coisas muitas vezes não compreendidas no momento próprio do ocorrido.
Meu pai se foi, assim como da Laine, como o de tantas pessoas, um dia ele se foi. Contudo, sua partida deixou presença. Foi-se sem ir-se.
E o pai que se foi é dor maior em mim, maior que a ausência materna. E isso passei a entender após me tornar pai. A sintonia se estabelece. Eu mesmo querendo ser aquele que desejaria ter tido e que só hoje, apartado na ausência e na distância, entendo. Entendimento de que cada um é apenas, e somente, aquilo que pode ser, aquilo que consegue ser. Tive, hoje sei, o pai que meu pai conseguia ser, dentro de suas limitações, de seus impedimentos, de suas querências. Um pai que ainda ressoa em mim. Um pai que me dita caminhos possíveis de ser pai, quer pelo que foi (é) para mim, quer pelo que deixou de ser.

Eu sou pai, digo para mim mesmo, e este dizer me invade de uma alegria tão plena, tão completa, que passo a entender o que um dia devo ter sido pro meu pai. Eu sou pai, repito, e esta certeza me impele, sempre, a me sentir responsável por duas vidas, a me sentir amado por duas vidas nascidas de parte de mim. E isto é bom. 

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