Leitura: prazer e necessidade
(Breve crônica sobre minha relação com a cidade de Morro Reuter)
Caio Riter
Em 1998, há dez anos portanto, cheguei pela primeira vez a Morro Reuter. Lembro que foi encantamento à primeira vista. As ruas, as casas, a praça central e o carinho de muitos leitores fizeram nascer a sintonia. Há coisas que não se explicam bem, a gente sente e pronto. E, naquele dia, senti que a pequena cidade que me acolhia, escritor iniciante, ainda estaria presente de forma mais significativa ainda em minha vida literária.
Gosto de estar em Morro. Gosto de perceber a atmosfera de leitura que envolve o município. Gosto de ser participante desta história de construção de cidadania via literatura. Afinal, acredito que a leitura literária transforma. E para melhor. Aquele que lê sempre será pessoa de maior grandeza. Aquele que propicia que outros leiam, que leva o livro às mais tenras ou às mais cansadas mãos também é grande. Assim, sempre é bom lembrar as palavras do poeta condoreiro: Bendito o que semeia livros, livros à mão-cheia, e faz o povo pensar..
Em Morro Reuter, percebe-se que a leitura não á apenas teoria, “coisa da boca pra fora”. Não, livro é necessidade que se construiu e solidificou-se graças ao empenho de muitos e, espero, de cada vez mais gente. Há, percebo, a clareza de que ler é condição essencial para a cidadania.
Quando penso a leitura e os mitos que a envolvem, penso também que a literatura ainda carece de olhares diferenciados sobre algumas “verdades” que se impõem e que, muitas vezes, não recebem o devido e merecido questionamento. Por exemplo, fala-se muito sobre o prazer de ler. Há sempre alguém a propagar que a leitura não pode ser obrigatória, que deve ser uma opção prazerosa e livre. Discordo. A leitura é libertária, sim, mas — até a pessoa dar-se conta de sua necessidade — políticas públicas, projetos escolares, adultos multiplicadores de leitura fazem-se necessários. Ora, se acreditamos que algo é bom, temos a obrigação de divulgá-lo, de estimulá-lo, de propiciar que mais e mais seres possam se encantar e usufruir deste bem. Qual a mãe consciente e zelosa que permitirá que seu filho faça apenas o que tem vontade, que coma o que quiser, que durma a hora que julgar mais adequada? Uma mãe atenta impõe limites, indica caminhos, diz sim e não, sempre que necessário. Ser mãe é ter responsabilidade com o adulto de amanhã. Pois em relação à leitura penso de forma semelhante. Se queremos uma comunidade leitora, devemos pensá-la, projetá-la, estabelecendo critérios e políticas para tal. Assim, a leitura não se limita ao prazer, mas à necessidade.
Duas palavras-chave, hoje, para se pensar a leitura: prazer e necessidade. Ao se falar em prazer, geralmente se pensa em entretenimento, em passatempo. Leitura é mais que isso, tem que ser muito mais que este tipo de prazer, que, aliás, é facilmente substituído. Quando penso no prazer da leitura, penso num prazer estético: deliciar-se com o texto, descobrir sua arquitetura, envolver-se com seu ritmo, com sua musicalidade, perceber e desvendar suas metáforas e, assim, atingir um estado de deleite com o próprio texto. Nele e para ele. Este é o prazer de que falo. Este apenas a literatura pode promover. Tal deleite, no entanto, não nasce com o indivíduo, não aparece naturalmente (pelo menos na maioria dos casos), precisa de alguém que oriente, que “ensine” os leitores, que os qualifique no desejo de mais e mais descobertas estéticas nos textos que lê, que lhes aponte: “Olha esse livro. Ele é muito legal!” Para tal, a necessidade de orientadores conscientes de seu papel como formadores e qualificadores de novos e de mais leitores se faz urgência.
Mas e a tal da necessidade? Pois bem, hoje se fala muito também (e isto acaba sendo motivo limitador para a formação de leitores) que o livro é caro. É caro, penso, para quem ainda não fez dele uma necessidade, algo vital. Retomo aqui a imagem da mãe zelosa (ou do pai, ou de qualquer adulto cuidador). Qual deles, se uma criança amada conseguir provar que necessita de algo, não moverá mundo e fundos para saciar tal necessidade, mesmo que não possua recursos imediatos para tal? Creio que todos. Logo, se o livro é caro e muitos relutam em disponibilizá-lo às crianças, isso se dá em virtude de não perceberem na leitura uma necessidade. Livro precisa ser necessário, precisa ser elemento vital, essencial. Assim, falta, por vezes, aos educadores tal convicção, tal prática: tornar seus alunos necessitados de livros. Todavia, só contaminamos os outros com tal necessidade quando nós também nos tornamos carentes de leitura. E, nesse caso, preço deixa de ser limitador.
Desta forma, duas posturas me parecem fundamentais para todo aquele que deseja formar leitores: auxiliá-los na descoberta do verdadeiro prazer literário (aquele que não é mero passatempo) e torná-los seres necessitados de livros, de leitura de qualidade. Assim, com certeza, estaremos formando cidadãos mais críticos e mais sensíveis. Seres, aliás, de que a sociedade em que vivemos precisa. E muito.
Morro Reuter, creio, tem como norte tal sociedade. Sua tradicional feira do livro, seu seminário de leitura, suas bibliotecas “apadrinhadas”, seus saraus, seus luaus e tantas outras atividades que ocorrem, com certeza, no interior das salas de aula nas diferentes escolas do município — todas representadas pelo singular obelisco — são passos sólidos na formação de gente que crê que ler faz, e sempre fará, diferença.
Dez anos pode ser muito, pode também ser quase nada, sobretudo quando a gente se sente parte de um projeto maior. Assim, se minha primeira entrada em Morro foi tímida, completo esta década curtindo duas homenagens que ficarão marcadas em minha história de escritor. 2008 é ano ímpar. Ano em que sou o patrono da feira do livro de Morro Reuter e em que a escola Dom Bosco dá a sua biblioteca o meu nome: Biblioteca Caio Riter. Que mais um autor pode desejar?.
(Breve crônica sobre minha relação com a cidade de Morro Reuter)
Caio Riter
Em 1998, há dez anos portanto, cheguei pela primeira vez a Morro Reuter. Lembro que foi encantamento à primeira vista. As ruas, as casas, a praça central e o carinho de muitos leitores fizeram nascer a sintonia. Há coisas que não se explicam bem, a gente sente e pronto. E, naquele dia, senti que a pequena cidade que me acolhia, escritor iniciante, ainda estaria presente de forma mais significativa ainda em minha vida literária.
Gosto de estar em Morro. Gosto de perceber a atmosfera de leitura que envolve o município. Gosto de ser participante desta história de construção de cidadania via literatura. Afinal, acredito que a leitura literária transforma. E para melhor. Aquele que lê sempre será pessoa de maior grandeza. Aquele que propicia que outros leiam, que leva o livro às mais tenras ou às mais cansadas mãos também é grande. Assim, sempre é bom lembrar as palavras do poeta condoreiro: Bendito o que semeia livros, livros à mão-cheia, e faz o povo pensar..
Em Morro Reuter, percebe-se que a leitura não á apenas teoria, “coisa da boca pra fora”. Não, livro é necessidade que se construiu e solidificou-se graças ao empenho de muitos e, espero, de cada vez mais gente. Há, percebo, a clareza de que ler é condição essencial para a cidadania.
Quando penso a leitura e os mitos que a envolvem, penso também que a literatura ainda carece de olhares diferenciados sobre algumas “verdades” que se impõem e que, muitas vezes, não recebem o devido e merecido questionamento. Por exemplo, fala-se muito sobre o prazer de ler. Há sempre alguém a propagar que a leitura não pode ser obrigatória, que deve ser uma opção prazerosa e livre. Discordo. A leitura é libertária, sim, mas — até a pessoa dar-se conta de sua necessidade — políticas públicas, projetos escolares, adultos multiplicadores de leitura fazem-se necessários. Ora, se acreditamos que algo é bom, temos a obrigação de divulgá-lo, de estimulá-lo, de propiciar que mais e mais seres possam se encantar e usufruir deste bem. Qual a mãe consciente e zelosa que permitirá que seu filho faça apenas o que tem vontade, que coma o que quiser, que durma a hora que julgar mais adequada? Uma mãe atenta impõe limites, indica caminhos, diz sim e não, sempre que necessário. Ser mãe é ter responsabilidade com o adulto de amanhã. Pois em relação à leitura penso de forma semelhante. Se queremos uma comunidade leitora, devemos pensá-la, projetá-la, estabelecendo critérios e políticas para tal. Assim, a leitura não se limita ao prazer, mas à necessidade.
Duas palavras-chave, hoje, para se pensar a leitura: prazer e necessidade. Ao se falar em prazer, geralmente se pensa em entretenimento, em passatempo. Leitura é mais que isso, tem que ser muito mais que este tipo de prazer, que, aliás, é facilmente substituído. Quando penso no prazer da leitura, penso num prazer estético: deliciar-se com o texto, descobrir sua arquitetura, envolver-se com seu ritmo, com sua musicalidade, perceber e desvendar suas metáforas e, assim, atingir um estado de deleite com o próprio texto. Nele e para ele. Este é o prazer de que falo. Este apenas a literatura pode promover. Tal deleite, no entanto, não nasce com o indivíduo, não aparece naturalmente (pelo menos na maioria dos casos), precisa de alguém que oriente, que “ensine” os leitores, que os qualifique no desejo de mais e mais descobertas estéticas nos textos que lê, que lhes aponte: “Olha esse livro. Ele é muito legal!” Para tal, a necessidade de orientadores conscientes de seu papel como formadores e qualificadores de novos e de mais leitores se faz urgência.
Mas e a tal da necessidade? Pois bem, hoje se fala muito também (e isto acaba sendo motivo limitador para a formação de leitores) que o livro é caro. É caro, penso, para quem ainda não fez dele uma necessidade, algo vital. Retomo aqui a imagem da mãe zelosa (ou do pai, ou de qualquer adulto cuidador). Qual deles, se uma criança amada conseguir provar que necessita de algo, não moverá mundo e fundos para saciar tal necessidade, mesmo que não possua recursos imediatos para tal? Creio que todos. Logo, se o livro é caro e muitos relutam em disponibilizá-lo às crianças, isso se dá em virtude de não perceberem na leitura uma necessidade. Livro precisa ser necessário, precisa ser elemento vital, essencial. Assim, falta, por vezes, aos educadores tal convicção, tal prática: tornar seus alunos necessitados de livros. Todavia, só contaminamos os outros com tal necessidade quando nós também nos tornamos carentes de leitura. E, nesse caso, preço deixa de ser limitador.
Desta forma, duas posturas me parecem fundamentais para todo aquele que deseja formar leitores: auxiliá-los na descoberta do verdadeiro prazer literário (aquele que não é mero passatempo) e torná-los seres necessitados de livros, de leitura de qualidade. Assim, com certeza, estaremos formando cidadãos mais críticos e mais sensíveis. Seres, aliás, de que a sociedade em que vivemos precisa. E muito.
Morro Reuter, creio, tem como norte tal sociedade. Sua tradicional feira do livro, seu seminário de leitura, suas bibliotecas “apadrinhadas”, seus saraus, seus luaus e tantas outras atividades que ocorrem, com certeza, no interior das salas de aula nas diferentes escolas do município — todas representadas pelo singular obelisco — são passos sólidos na formação de gente que crê que ler faz, e sempre fará, diferença.
Dez anos pode ser muito, pode também ser quase nada, sobretudo quando a gente se sente parte de um projeto maior. Assim, se minha primeira entrada em Morro foi tímida, completo esta década curtindo duas homenagens que ficarão marcadas em minha história de escritor. 2008 é ano ímpar. Ano em que sou o patrono da feira do livro de Morro Reuter e em que a escola Dom Bosco dá a sua biblioteca o meu nome: Biblioteca Caio Riter. Que mais um autor pode desejar?.
Nenhum comentário:
Postar um comentário