segunda-feira, 10 de maio de 2010

Caio Leitor 15 - O pastor de sombras

Tenho sido homem de leitura, de outro modo não sei ser. As palavras ficcionais, ou as poéticas, são sempre eco no dentro de mim, são sussurros de quero mais, criam aquilo a que chamamos de necessidade. Uns têm de comida, outro de amores, de dores, de tudo o mais. Eu tenho lá minhas fomes, uma delas: a leitura. A maior talvez.


Ando calado, sei, sobre o tudo lido. Palavras têm seu tanto de agarramento na gente, algumas nos prendem mais, outras provocam maravilhamentos, algumas passam, e só. Livros são assim, podem tatuar marcas na alma da gente ou apenas serem distração. Prefiro os primeiros.


E um que me provocou demais foi O pastor de sombras, escrito pelo meu amigo mineiro, o Luís Giffoni. Amizade construída a partir de um encontro na Feira de Porto Alegre e que se esticou através da troca de longas cartas em papel e caneta. Hoje já não mais, a rotina da vida deixando as trocas mais para e-mails. Mas presentes em forma de livros ainda chegam (e vão) dentro de envelopes pardos. Pois foi assim que Manoel da Cruz, o protagonista de O pastor de sombras, chegou até mim.


Giffoni revive o mundo barroco no que tem de dúvida, de angústia existencial, de jogo com a fé e as contingências da vida. Um padre poderoso, um homem de verdades, que vai se revelando através de sua fé, uma fé que faz concessões em demasia e que nos oferece um retrato chocante, que lanha nossas costas com os mesmos chicotes e açoites que vertem sangue do jovem sobrinho do bispo ao tentar reativar sua fé, nublada por outros saberes, outros desejos. Livro que machuca. Ah, eu andava sentindo falta de algo assim.

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