quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Bibliotecas e pontes

Bibliotecas e pontes

            Há quem erga pontes. Elas são importantes. Elas unem duas fronteiras, estendem-se majestosas e estimulam o progresso. Sobre elas, passam automóveis, caminhões, ônibus e um tanto de gentes em seus afazeres. Uma ponte incentiva a fluidez da vida moderna, auxilia o deslocamento, estimula a rapidez tão endeusada nestes tempos ditos modernos.
            Todavia, há quem construa bibliotecas. E estes espaços de magia e de sonhos, que têm como centro a palavra literária, o livro, também são pontes. Não estas pontes rudes de concreto que poluem a visão e rasgam o céu com seu cinza. São pontes entre o eu e o outro; pontes que promovem o olhar para o altero, que sensibilizam, que contribuem com a criticidade, que resgatam o humano em nós.
            Penso que a construção de uma ponte de concreto não pode acarretar a destruição de uma biblioteca. Ainda mais quando esta é comunitária, construída pelo desejo de uma comunidade e com recursos do Plano Municipal do Livro e da Leitura. Parece estranho que isso possa ocorrer em minha cidade, parece invenção de algum escritor, parece tema de livro.  Não é. Em Porto Alegre, uma biblioteca corre risco de morte.
            Há alguns anos, tive o prazer de conhecer a Biblioteca Comunitária do Arquipélago, na Ilha dos Marinheiros, para a qual fui convidado a ser padrinho. Lá encontrei voluntários, mediadores de leitura, gente com sorriso no rosto, que, por meio da leitura, semeia mais sorrisos em crianças, as quais, muitas vezes, o sonho é negado. Conheci meninos e meninas que me apresentaram sua comunidade, que riram para as histórias e para os poemas que lhes eram lidos, que liam poemas para mim. Todavia, isso pode acabar.
            Soube que a Biblioteca da Ilha dos Marinheiros corre o risco de ser derrubada em virtude da construção da nova ponte do Guaíba. Certo, entendo que o progresso precisa avançar, entendo que parte da comunidade da Ilha precisa ser remanejada para outro espaço, só não consigo compreender o porquê de o Poder Público negar o prosseguimento do papel fundamental desta biblioteca, não apresentando de forma objetiva uma proposta para sua realocação em outro local da Ilha, a fim de que possa seguir o trabalho tão bacana de formação de leitores que há anos vem sendo construído. Este tipo de ponte precisa também ser estimulado: a ponte da leitura, da arte, dos afetos compartilhados no interior de uma biblioteca. Assim, rogo que as autoridades competentes possam dar um final feliz para a Biblioteca Comunitária do Arquipélago. E não há outro possível que não seja a sua continuidade.

Caio Riter, escritor e professor
Artigo publicado no Correio do Povo em 30 de janeiro de 2019.

2 comentários:

Avelina disse...

Inacreditável ter como solução a destruição de uma biblioteca. Qualquer cidade, estado ou país que respeite seus cidadãos, valoriza suas conquistas e estimula a ampliação de horizontes proporcionada por qualquer atividade artística e literária. Por quanto tempo ainda serão destruídas as pontes que poderão nos levar a um país mais justo e igualitário?

Caio Riter disse...

Até quando? Triste.