Bibliotecas e pontes
Há quem erga pontes. Elas são
importantes. Elas unem duas fronteiras, estendem-se majestosas e estimulam o
progresso. Sobre elas, passam automóveis, caminhões, ônibus e um tanto de
gentes em seus afazeres. Uma ponte incentiva a fluidez da vida moderna, auxilia
o deslocamento, estimula a rapidez tão endeusada nestes tempos ditos modernos.
Todavia, há quem construa
bibliotecas. E estes espaços de magia e de sonhos, que têm como centro a
palavra literária, o livro, também são pontes. Não estas pontes rudes de
concreto que poluem a visão e rasgam o céu com seu cinza. São pontes entre o eu
e o outro; pontes que promovem o olhar para o altero, que sensibilizam, que
contribuem com a criticidade, que resgatam o humano em nós.
Penso que a construção de uma ponte
de concreto não pode acarretar a destruição de uma biblioteca. Ainda mais
quando esta é comunitária, construída pelo desejo de uma comunidade e com
recursos do Plano Municipal do Livro e da Leitura. Parece estranho que isso
possa ocorrer em minha cidade, parece invenção de algum escritor, parece tema
de livro. Não é. Em Porto Alegre, uma
biblioteca corre risco de morte.
Há alguns anos, tive o prazer de
conhecer a Biblioteca Comunitária do Arquipélago, na Ilha dos Marinheiros, para
a qual fui convidado a ser padrinho. Lá encontrei voluntários, mediadores de
leitura, gente com sorriso no rosto, que, por meio da leitura, semeia mais
sorrisos em crianças, as quais, muitas vezes, o sonho é negado. Conheci meninos
e meninas que me apresentaram sua comunidade, que riram para as histórias e para
os poemas que lhes eram lidos, que liam poemas para mim. Todavia, isso pode
acabar.
Soube que a Biblioteca da Ilha dos
Marinheiros corre o risco de ser derrubada em virtude da construção da nova ponte
do Guaíba. Certo, entendo que o progresso precisa avançar, entendo que parte da
comunidade da Ilha precisa ser remanejada para outro espaço, só não consigo
compreender o porquê de o Poder Público negar o prosseguimento do papel
fundamental desta biblioteca, não apresentando de forma objetiva uma proposta
para sua realocação em outro local da Ilha, a fim de que possa seguir o
trabalho tão bacana de formação de leitores que há anos vem sendo construído.
Este tipo de ponte precisa também ser estimulado: a ponte da leitura, da arte,
dos afetos compartilhados no interior de uma biblioteca. Assim, rogo que as
autoridades competentes possam dar um final feliz para a Biblioteca Comunitária
do Arquipélago. E não há outro possível que não seja a sua continuidade.
Artigo publicado no Correio do Povo em 30 de janeiro de 2019.
2 comentários:
Inacreditável ter como solução a destruição de uma biblioteca. Qualquer cidade, estado ou país que respeite seus cidadãos, valoriza suas conquistas e estimula a ampliação de horizontes proporcionada por qualquer atividade artística e literária. Por quanto tempo ainda serão destruídas as pontes que poderão nos levar a um país mais justo e igualitário?
Até quando? Triste.
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